sábado, 13 de setembro de 2008

PESADELO


Foto Felipe Pazzola (Rio Branco/Acre)




À luz do dia chegou diante da casa.
De novo viu a praça, a rua estreita e pouco movimentada.
Estacou na calçada fronteira, ao seu lado Alice esperava. A maquiagem barata dissimulava o cansaço de mil noites mal dormidas.
Uma eternidade depois arriscou perscrutando dentro de seus olhos:
- Vamos?
Não havia paredes descascadas, grades pesadas e negras janelas iguais àquelas. Paralisada diante da casa soturna tremeu da cabeça aos pés e as lembranças da noite de pesadelo a possuíram. Os sussurros obscenos, os seus próprios gritos. Apertou as têmporas latejantes inutilmente.
Como se adivinhasse Alice pegou o seu braço, apertou-o com força, obrigou-a a voltar à terra:
- Fiz o que querias. Mas não vejo razão, acho loucura. É melhor irmos embora. Quem vai acreditar?
Do outro lado, parado diante da casa o vigia em seu uniforme desbotado continuava a fuzilar as duas mulheres com olhar rancoroso e cheio de sono.
Corina sentiu frio penetrante nas entranhas, a coragem que a movera até ali desapareceu. Desejou estar em seu quarto, a porta trancada para ninguém ver as lágrimas jorrarem incontroláveis, que agora ameaçavam saltar ali mesmo naquela rua sombria em plena luz do sol de meio-dia.
Viu as gotas de suor ameaçarem escorrer o pó do rosto de Alice.
- O que vai adiantar? Estou com fome, vamos embora – a voz saiu da boca mascarada, passou raspando sem atingi-la.
Continuou hipnotizada, pregada ao solo, a cena da noite mais viva do que nunca a destruí-la por dentro, o olhar preso na negra janela, o terror voltando aos borbotões.
A vista escureceu, de novo era noite. Gritava e ninguém respondia.
Debatia-se, de novo as mãos grosseiras e ela tão nua. Mergulhou no túnel sem volta e deslizou em queda vertiginosa. As pernas dobraram lentamente.
As pancadas na janela a fizeram abrir-se de par em par. Emoldurou o rosto pálido de uma mulher, a aparição tangeu o pesadelo.
Voltou à realidade, o sol brilhava e Alice com seu rosto borrado impaciente.
Ah, precisava fugir depressa, da casa de paredes descascadas, da praça deserta, do monstro de voz aterrorizante.
- Vamos embora, Alice.
Assustou-se com a própria voz, apressou os passos e a amiga teve dificuldade para acompanhá-la.


Conceição Pazzola
Olinda, 7/9/2008



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