sábado, 4 de dezembro de 2010

A VOZ DO VENTO

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O vento quando sopra nas folhas
O teu nome sem parar
Lembra a hora difícil da escolha
Quando me pedias para ficar

Ouve a voz do vento em teus cabelos
Ela te diz que não te esqueci
O amor não morre, não fica velho
Vem comigo, o vento te diz

O mar que murmura queixumes
Quando vem quebrar na areia
Um amor assim não tem ciúmes

Deixa o sangue correr nas veias
O futuro pouco nos importa
O amor para nós é doce cadeia


Conceição Pazzola

sábado, 20 de novembro de 2010

PRECE

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É chegada a hora de lembrar
Sorrisos dados e recebidos
Desejos e sonhos realizados

Se houve mágoa, o tempo sarou
Se houve tristezas ou desamor
Como sal foi atirado ao fogo
A chama cresceu e logo apagou

É tempo de olhar para o passado
Um comprido novelo de lã escura
Perdido nas linhas emaranhadas
Como flor desfolhada sem frescura

O ontem não é agora, virou nada
Nenhuma hora foi desperdiçada
Não há mais tempo de remendar
Meus trapos de vida atrapalhada

Foram-se anos esparsos de festa
Tive chances, dádivas e fantasias
Deixei-as no porto em companhia
Da bagagem, agora o que me resta?


Conceição Pazzola


18/04/1999.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

HORA DO BRINDE

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Mãos entrelaçadas, os copos trocados
Sobre a mesa o bolo de noiva é perfeito
Chegou a hora do brinde e no silêncio
Jorram as juras do grande amor aceito

O turbilhão da vida leva os belos sonhos
Em seu lugar, só queixa, desejo frustrado
Esperança de serem felizes para sempre
É mentira da carochinha, é conto de fada

Todas as juras e sonhos de um casamento
Ficaram nos cálices vazios sobre a mesa
A rotina dos anos vulgariza sentimentos
De roldão foram arrastadas as surpresas

Mãos entrelaçadas, novos copos trocados
Sobre a mesa o bolo de noiva é perfeito...
É a hora do brinde, nova platéia assiste
Ardentes juras e mais um amor desfeito.


Conceição Pazzola

sábado, 28 de agosto de 2010

TANTO TEMPO


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Já se passou tanto tempo
Sem te ver e sem saber
Você não está por perto
À espera do momento certo
Para surgir sem avisar
Em qualquer horário
A qualquer instante
Somente para me ver

Ou sorrir sem dizer nada
Sempre o anjo de nós dois
Soprava ao seu ouvido
Vá agora, ela o espera
A luz do dia irradiava você
Aquecia a friagem da noite
Antes de a porta se abrir
Ouvia o barulho de passos

Sabia quanto você me amava
Olhos nos olhos e nada mais
Era preciso, tínhamos a certeza
De que a vida valia a pena.






Conceição Pazzola

Junho/2008

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

SILÊNCIO

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Na ponta dos pés
De mansinho
Levaste meu sossego
Deixaste minha vida
Em torvelinho

Em silêncio
Arrumaste tua mala
A chuva daquela noite
Senti como um açoite

Fechaste a porta suave
Senti tua indiferença
Deixando para trás
O perfume de tua ausência

Na ponta dos pés
De mansinho
Voltaste para mim
Levando meu sossego
Deixando minha vida
Em torvelinho



Conceição Pazzola
11/8/2010

domingo, 1 de agosto de 2010

CORTINA

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Afasto devagar a cortina
Atrás de uma janela fechada
Assusta-me uma nesga da rua

Tenho medo de abrir os olhos
De descerrar de uma vez a cortina
E encarar minha vida face a face

De mansinho descerro persianas
Ofuscada pelo bafejo da brisa
A luz do sol, o barulho da rua
Alegria de crianças, papagaios azuis

De braço dado passam dois namorados
Sorriem de nada ao longo do caminho
Sem presente, futuro ou passado
A trocar juras, carícias e carinho

Refugio-me atrás da cortina
Fujo dos momentos fugazes
Fecho persianas mais uma vez
Mergulho de novo na saudade.


Conceição Pazzola

1/8/2010

sábado, 12 de junho de 2010

FALANDO DE AMOR

Porto de Galinhas




O amor é muito mais
Do que quatro letras
Arde no peito, chora
Na ausência, sorri
Na chegada, geme
De saudade.

Quem nunca amou
E se ilude a pensar
Antes da entrega
Total e definitiva
Quem nunca chorou
Ao perder um amor
Razão única de viver
Ainda não descobriu
O que é sentir a vida.

Conceição Pazzola
12/6/2010

sexta-feira, 11 de junho de 2010

DIA DOS NAMORADOS

Foto de Ravenna Pazzola


Na véspera de doze de junho a madrugada foi chuvosa. Entre relâmpagos e trovões, dava para ouvir os pingos d’água batendo no solo, intermitentes. Quando o dia amanheceu, cheguei a acreditar que o mau tempo logo passaria, mas, a chuva continuou por quase toda manhã.
Uma manhã bastante convidativa para ficar na cama lendo um bom livro, ou assitindo a um bom filme, toda enrodilhada nos braços quentes do ser amado e um capuchino depois.
Num dia como este, a saudade ameaça dominar-me e tenho que lutar muito para não entregar-me de uma vez por todas à depressão que tua ausência deixou.
Vejo-te diante de mim a sorrir, os olhos iluminados de amor, os braços quentes a esperar que eu corresse ao teu encontro para me abrigarem. Procuro pensar em coisas alegres, não quero deixar as láguimas que me apertam o peito ganharem os olhos, deslizarem pela face.
Todos os anos em que estivemos juntos mantive a errônea ilusão de que não era preciso dizer-te quanto te amava, quanto eras importante, essencial para mim como o ato de respirar. Estavas sempre ali, e tua presença tornou-se um hábito. Acostumei a te ver rondar-me, sem entender que estavas sequioso por uma palavra, apenas uma, para saber quanto eu te amava.
Os anos que passamos juntos acabaram por criar confiança tamanha, por isso, pensei enlouquecer quando te vi entre nuvens no céu da manhã de quatro de novembro, com a camisa de listras azuis e brancas, minha favorita, e um sorriso tão amoroso nos lábios. Naquele instante compreendi tudo. Já não pertencias a este mundo.
Tento pensar nos amigos e amigas que também já habitam outro plano, a cada ano esse número se torna maior e breve chegará minha vez. É a lei natural da vida.
Não sei por que lembrei agora, havia uma senhora entre minhas colegas de trabalho que ostentava no peito um medalhão, espécie de camafeu com a foto de seu marido morto anos atrás. Ah, como costumam ser crueis, mesmo sem saber, os jovens...
Embora nada lhe dissesse, eu duvidava daquela devoção, tantos anos passados. Acreditava que não era possível alimentar tamanha saudade, cheguei a pensar que o camafeu continuava alí por vaidade, uma espécie de fetiche.
Até que um dia, sem que eu fizesse qualquer comentário a respeito, com um sorriso nos lábios e ironia na voz, ela fitou-me e disse: “Para você, a vida é muito fácil. Ainda tem o seu espírito santo de orelhas...”
Agora também não tenho mais o meu espírito santo de orelhas. Os dias, os meses e os anos estão passando. Dois anos passaram céleres diante do enorme vazio de tua ausência, e compreendi que qualquer forma de amor vale a pena.
Conceição Pazzola

segunda-feira, 31 de maio de 2010

REMINISCÊNCIA

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Aos meus olhos de criança
Enorme era minha casa
O olhar não via
Por mais que desejasse
Onde acabavam paredes

Somente nas pontas dos pés
Era possível ver o que havia
Sobre o balcão da cozinha
De minha mãe

Aos olhos de qualquer um
Havia naquela casa
Muita gente comum

Tantas vozes, tantos pés
Muitos beijos e abraços
Um dia eu cresci
Encolhidas se tornaram
Todas as coisas e pessoas

Mudaram e como gente grande
Também assim me olharam

Sem nenhum aviso prévio
Arrebentou como tufão
De buscar longe dali
A aluvião de desejos


Quem dera...
Reaver dentro e fora
A beleza extinta, a união
Que um dia tive e perdi
Na minha casa.


Conceição Pazzola
17/5/2002

quinta-feira, 27 de maio de 2010

CHUQUETE

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Nossa cadela vira-lata acabara de morrer e eu ainda me sentia triste e saudosa, quando numa certa manhã de sábado o casal de franceses, donos da Gráfica Barthel onde meu marido trabalhava, apareceu de surpresa em nosso sítio. Ela com Chuquete nos braços como se carregasse uma criança. Botou-a no chão, me deu um abraço e contou que a cadela era sua, mas, morava num prédio em que não era permitido criar cães. Enquanto pequenina, Chuquete havia passado despercebida. Agora não dava mais para escondê-la. Crescera, fazia barulho e o jeito era eles se desfazerem dela. Dito isso, voltou ao carro, retirou os brinquedinhos de Chuquete, a coleira e uma caminha de cachorro. Jogou tudo no terraço lá de casa, depois de pouco tempo o casal de franceses foi embora. Nem esperaram que eu dissesse alguma coisa. Chuquete já cheirava a casa toda reconhecendo o território e se tornou minha companhia quando Giovanni saía de manhã pra trabalhar, só regressando ao anoitecer. Certa manhã, entretida na máquina de costura, não ouvi o portão da rua. O transportador de gás com o bujão às costas entrou repentinamente aos gritos, com Chuquete colada na sua perna. A calça rasgada, o homem soltava pragas contra o animal, sem entender que ela fazia seu papel de cão de guarda, protegendo-me. Não ouvi nenhum latido nem antes nem depois da saída do homem do gás.
Na primeira vez que Chuquete entrou no cio, ingenuamente Giovanni perdeu tempo construindo um galpão de madeira para protegê-la dos cachorros da vizinhança. Verdadeira matilha invadiu nosso quintal, em pouco tempo destruiram o galpão e entraram.
Meu marido passou a apedrejá-los, sem resultados. Até que um deles, justamente o cachorro de nossa melhor vizinha foi atingido por uma pedra e tombou. Apavorado, Giovanni foi buscar uma pá, cavou o buraco pra enterrar o cachorro de Dona Inácia. Antes que ele terminasse de cavar, o animal sacudiu-se completamenrte refeito e correu para sua casa. Melhor assim.
Quando vendemos o sítio, não foi possível levar Chuquete conosco. Ela deitou no terraço e ali ficou em silêncio, olhando-nos partir. Pouco tempo depois soubemos que Chuquete morrera de saudade de nós.




Conceição Pazzola
26/5/2010

sábado, 8 de maio de 2010

PARA SEMPRE

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Por que Deus permite

que as mães vão-se embora?

Mãe não tem limite,

é tempo sem hora,

luz que não apaga

quando sopra o vento

e chuva desaba,

veludo escondido

na pele enrugada,

água pura,

ar puro,

puro pensamento.



Morrer acontece

com o que é breve e passa

sem deixar vestígio.

Mãe, na sua graça,

é eternidade.

Por que Deus se lembra

- mistério profundo -

de tirá-la um dia?

Fosse eu Rei do Mundo,

baixava uma lei:

Mãe não morre nunca,

mãe ficará sempre

junto de seu filho

e ele, velho embora,

será pequenino

feito grão de milho.



Carlos Drummond de Andrade

TUDO BEM

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Tão pequena sou
No colo de minha mãe
Tão dificl era ter
A chance de deitar nele
A cabeça cansada
De pensar que
Nada mais vale
A pena
Como bem disse
Carlos Drummond
Mãe não devia morrer
Deixando filhos para trás
Sem o seu sorriso
Sem ouvir sua voz
Bálsamo na adversidade
Impossivel de preencher
Com outra voz
Mesmo se nada falasse
Seu olhar dizia-me que estava
Tudo bem.

Conceição Pazzola

sábado, 1 de maio de 2010

AMANHECER

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Pisei fora do portão, e naquele momento, a súbita ventania começou a varrer galhos e folhas das árvores desmanchando nuvens. A chuva de vento varreu o quintal de um canto a outro. Zeus, nosso hotwiler, correu para os fundos da antiga garagem agora vazia, enroscou-se sobre si mesmo para voltar a dormir enquanto o barulhinho dos pingos no telhado o embalavam. Dois passarinhos cinzentos de papo amarelo pousaram no murinnho da entrada, sacudindo asas e chilreando felizes com o inesperado banho de chuva logo ao amanhecer. Olhei o espetáculo da ventania e da chuva que varria o quintal em todas as direções e sentei para apreciar melhor. O dia apenas começava.

sábado, 24 de abril de 2010

O FILHO ETERNO, resumo

O FILHO ETERNO
Cristovão Tezza
Ed. Record


Neste livro, classificado como romance Cristovão Tezza expõe as dificuldades inúmeras e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down. O autor descreve, sem jamais cair no melodrama ou na pieguice, um acontecimento que o fez se sentir como se fosse um boi cabeceando inutilmente contra as paredes do corredor de um matadouro: o dia em que recebeu a notícia de que o primeiro filho, tão esperado, tinha Síndrome de Down. Mas, à medida que o filho cresce, o pai adquire maturidade para se tornar funcionário público e deslanchar sua carreira de escritor. Aproveita as questões que aparecem pelo caminho nestes 26 anos de seu filho Felipe para relembrar e reordenar sua própria vida: a experimentação da vida em comunidade quando adolescente, a vida como ilegal na Alemanha para ganhar a vida.

sábado, 17 de abril de 2010

PARTIDA

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Chora o vento na noite escura
Enquanto o amor vai embora
Calado fica o pássaro no ninho
Enquanto o coração chora


O céu transforma noite em dia
Silencia bem-te-vi e canário
Quando o amor vira ventania


Distante, entre o céu e o mar
Envergonhada brota lua cheia
Vê sem querer a lágrima brilhar
Apertada no peito a dor vagueia.


Conceição Pazzola
1/3/2009





NAVEGAR É PRECISO


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Lá vai o barquinho de papel
Nas ondas do mar e do vento
Carrega o amor para longe
Do teu, do meu pensamento

Lá vai a moça apressada
Nas curvas do sentimento
Envolta no laço apertado
De amor jogado ao relento

Lá vai a jangada serena
Buscar a pesca encantada
Trazida pela brisa amena
Em breve estará em casa

Lá vai teu beijo atirado
Nas dobras dos dedos aflitos
Procurar os lábios molhados
Da menina vestida de chita.


Conceição Pazzola
Abril/2009


terça-feira, 6 de abril de 2010

GIOVANNI

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Meu filho Giovanni nasceu no dia nove de abril, apesar de o ginecologista ter garantido que nasceria provavelmente na primeira quinzena de junho. Antes de completar um ano, mudamo-nos para Olinda com a casa ainda em construção.
Por ser muito pequeno e franzino ele demorou a andar; engatinhava no meio dos trabalhadores da construção, mexia no cimento, nas ferramentas, brincava com pregos e tudo que aparecia pela frente. Nessa época eu tinha trinta anos, sentia-me em plena juventude e quase todas as manhãs saíamos para ir à praia, com a amiga e vizinha Dionéia e Nayara, respectivamente mãe e filha. Nayara estudava no mesmo colégio de minha filha Ines.
Apesar de prematuro Giovanni tomou banho de mar com três meses e adorou. Sorria e batia as pernas feliz da vida. Tudo ia muito bem até ele adoecer gravemente: diarréia, muita febre e completa falta de apetite, o diagnóstico foi ameba, giarda e mais duas espécies menos perigosas de verminoses.
Como ainda não completara um ano, os comprimidos contra ameba compostos por um veneno poderoso, tiveram de ser repartidos por quatro. Apesar do tratamento a febre persistia, assim como o hábito de levá-lo à praia. Certa manhã, quando assistíamos a um filme engraçado na TV, subitamente Giovanni começou a chorar e debater-se. Chorando também, corri a mergulhá-lo na banheira já pronta para o banho, e meu filho teve a primeira convulsão dentro d’água, ao mesmo tempo em que evacuava um líquido esverdeado. Meus gritos atraíram Silvinha e Cinda filhas de Dona Eunice, nossa vizinha, senhora super bondosa que nos cedia o telefone para comunicar-nos com o mundo.
Elas perceberam a gravidade da situação, levaram as meninas consigo deixando-me livre para correr ao pronto socorro conhecido pelo primeiro taxista que atendeu ao meu chamado. Enquanto Giovanni passava por meticuloso exame, liguei para minha irmã Vane, ela acudiu ao meu chamado. Pagou a caução exigida e levamos o menino de volta para casa.
Por toda noite troquei toalhas molhadas em torno de seu corpinho ardente, com ele na minha cama vez por outra o abraçava, beijava para que sentisse meu amor e o desejo de que não morresse.
Durante muito tempo precisou tomar Gardenal prescrito pela pediatra, que o fazia dormir horas seguidas, até que mudamos de plano de saúde e ele passou a ser atendido pelo Doutor Gilson Peixoto, que substituiu o Gardenal por um antitérmico.
Pouco tempo depois, meu marido saiu para comprar jornal e o levou a passear de bicicleta. Sem o jornal voltaram rapidamente, pois Giovanni prendera um pé no raio da bicicleta. Mesmo depois que o ferimento sarou, ele continuou a mancar e a recusar alimento. Readquiriu a confiança para andar quando ganhou um par de botas marrons.
Muito pequeno e branquinho, os alunos da Escola de Datilografia o adoravam e chamavam carinhosamente de galo rubro. No Jardim Um do Instituto Cristo Rei, uma de suas colegas o apelidou de purê, seu prato preferido. Giovanni gostava de desenhar, por ser criativo destacou-se logo. Certo dia as professoras mostraram-me seus desenhos, especialmente o de um cowboy.
Em casa ele se unia com Alfredo, seu irmão mais novo para mexer nas ferramentas do pai. Ao planejar uma arte, nenhum obstáculo parecia intransponível. Antes de o Instituto Cristo Rei fechar as portas eu o transferi para o Colégio Imaculado, aonde não chegou a concluir a alfabetização. Quase diariamente passei a ouvir queixas de sua professora por ele gostar de falar “pelas orelhas” e “lambuzar” a folha de tarefa. Ouvia tudo com paciência e engolindo sapo para não responder à altura.
Pouco antes de retirá-lo do colégio, emprestei à professora um livro intitulado Faça Seu Filho Feliz, que me foi presenteado por meu marido quando engravidei a primeira vez. Minha intenção é que ela aprendesse a lidar com as diferenças e tivesse cuidado com as palavras na frente de crianças. Nunca mais o devolveu.
No Colégio Manuel Bandeira onde as irmãs já estudavam, Giovanni ganhou a companhia do primo Gustavo e passaram a andar sempre juntos.
Antes dos dez anos, ele resolveu fugir de casa. Botou isso na cabeça e saiu sem destino. Ao notar seu sumiço, saí a procurá-lo e não precisei ir muito longe. Quase esbarrei nele, apenas um toquinho de gente, de cócoras sob frondosa árvore existente na vila dos sargentos, do lado direito de nossa rua, observando os amigos brincar: – Mãe, a senhora vai aonde? – perguntou-me com naturalidade. – Vamos pra casa? – respondi, dei-lhe a mão para que levantasse e voltamos juntos.
Um dia ele me disse a coisa mais bonita e comovente que qualquer mãe gostaria de ouvir de um filho. Pediu olhando-me nos olhos: - Mãe, quando você morrer eu quero ir junto, viu?
Sempre foi um menino de muita sorte. Tinha um irmão e duas irmãs, quatro crianças pequenas. Toda vez que precisava ir à cidade resolver alguma coisa no comércio, os quatro participavam de um sorteio, Quem ganhasse me acompanharia. Giovanni ganhava sempre, provocando muitas queixas dos irmãos perdedores.
Meu filho nasceu sob o signo de Áries, é generoso e comunicativo, acredito que possui uma estrela brilhante a iluminar seu caminho. Quando lhe dei a primeira bicicleta, todos os amigos da rua aprenderam a andar sobre ela, e como resultado todos pediram uma bicicleta nova de presente aos pais, enquanto a sua mostrava os sinais de muitos trancos e das quedas infinitas.
Se fosse contar em detalhes todos os acidentes sofridos por Giovanni durante a infância, acabaria escrevendo um livro sobre ele. Recordarei o mais grave, que foi provocado pelas bicicletas novas, presentes meus para dois filhos, e causadoras de muitos remorsos depois.
Empolgados com as bicicletas novas, eles pedalaram até a estrada de Paulista, mal iluminada e de tráfego intenso onde foram de encontro a outras bicicletas, e Giovanni foi parar no hospital. Recebi um telefonema cauteloso de Reinaldo Vilarim, meu primo que morava na Rua São Francisco, próxima à estrada referida.
Apesar de ainda muito pequeno, Alfredo tomou a iniciativa de ir até a casa de Reinaldo buscar socorro. Assustado e sozinho testemunhou o irmão ser conduzido ao hospital lá existente.
Eles eram duas crianças num lugar completamente desconhecido. Quando cheguei, ouvi as providências tomadas e acompanhei meu marido que nos levou para casa. Mais uma vez Giovanni estava machucado gravemente; demorou quieto apenas o tempo suficiente para aliviar as dores da perna. Apesar de tantas recomendações antes que eu seguisse para o trabalho, mal ficava sozinho ele vestia uma calça jeans para ocultar o curativo e ganhava o mundo. Estava em plena adolescência, tinha pressa de viver a vida que o esperava na rua.
Cresceu criativo e querido pelos professores e colegas. Guardou um trauma por ter perdido o pastoril onde representaria o Velho a convite de Augusto, professor de arte. Embora soubesse que ele queria muito dançar o pastoril, não o deixei sair do castigo onde estava por não ter devolvido o troco da compra do pão.
Tornou-se um rapaz bonito de cachos longos e muitas namoradas. Cansou dos cabelos longos e raspou a cabeça, nem por isso deixou de atrair as garotas. Sempre acompanhado por seu primo Gustavo, ele se divertiu bastante, quebrou todas as regras de comportamento no Colégio Estadual de Olinda até que o transferi para o Colégio São Bento onde Alfredo estudava.
Não fosse o envolvimento e a gravidez de Andréa, sua namorada de Paulista, talvez meu filho tivesse realizado o seu projeto de estudar engenharia elétrica. A paternidade precoce o levou a um casamento também precoce que não durou. Atrapalhou todo seu futuro promissor, mas tudo está escrito nas estrelas bem antes de chegarmos aqui na terra. Giovanni ficou pouco tempo sozinho. Conheceu Heliane, com ela casou-se, e são felizes até hoje.

domingo, 4 de abril de 2010

ILHA DE ITAMARACÁ

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As lembranças de menina parecem sonhos bonitos, e como em sonho viajo no tempo com minha família, numa manhã domingueira de verão para a Ilha de Itamaracá.
Os passeios aconteciam em ônibus ou caminhões de aluguel. Mal o dia clareava, estávamos na estrada, muito pior do que atualmente, era preciso ter coragem e disposição para enfrentá-la.
Depois de Paratibe e de Abreu e Lima o sol esquentava, e devagarinho o sono ameaçava fechar-me os olhos. Um cochilo e a cabeça, depois o corpo inteiro pendia sobre o vizinho. Uma sacudidela brusca devolvia-me à realidade.
Antes de chegar à ponte e depois dela, os ilheus de pés descalços e chapéus de palha ofereciam frutas e verduras, colhidas em seus modestos roçados. À beira da estrada tudo é vendido: caju, jaca, mandioca, fruta-pão, banana, coentro, tomate, castanha, feijão verde, coco, cana-de-açúcar em rolete, etc.
A primeira parada foi na Penitenciária Agrícola, atualmente de São João. Visitamos a exposição de trabalhos artesanais dos presidiários em casca de coco, marisco, espinha de peixe e osso polido. Estojos, cestas, pentes e muitos outros objetos bonitos.
Itamaracá tornou-se famosa pela Coroa do Avião, que “é um dos lugares mais bonitos do litoral norte pernambucano: tem águas calmas e piscinas naturais e fica numa área rica em manguezais. A Coroa é habitat natural de aves migratórias e por conta disso, lá existe uma Estação de Estudos Sobre Aves Migratórias e Recursos Ambientais da Universidade Federal de Pernambuco. Essa Ilhota de areia branca tem águas mornas e claras e está situada em frente ao Forte Orange, de onde saem frequentemente os barcos para lá”.
No Forte Orange construído pelos holandeses, as vendedoras de passa de caju oferecem aos visitantes uma colherada para experimentar.
Passamos por Vila Velha e Pilar. Atraídos pelas sombras benfazejas dos cajueiros, acampamos em Jaguaribe. Cada um carregou sua sacola ou bolsa a tiracolo com os pertences. Mamãe, que raramente nos acompanhava, embora nada dissesse torceu o nariz diante da tenda listrada que meus irmãos montaram na praia.
Chamou meu pai para um passeio de reconhecimento. Cada um prendeu nas suas as pequenas mãos de filhos menores e lá fomos nós, a pular alegremente no quebra-mar. Criada em cidade de interior, mamãe costumava perguntar o primeiro nome das pessoas antes de pedir qualquer informação.
Assim foi que não precisamos tostar o dia inteiro ao sol inclemente. Graças ao modo de viver de Dona Sebastiana, passamos o domingo na casa de um pescador e de sua generosa mulher. Almoçamos uma gostosa moqueca de peixe com farinha, arroz, feijão de corda e muitas rodelas de abacaxi plantado no quintal.
Entre um mergulho e outro nas águas mornas e claras de Itamaracá, o dia passou depressa. De um lado a outro na beira mar meu pai nos vigiava, enquanto sua mulher continuava na cozinha da nova amiga.
Os pulos e mergulhos afoitos sobre um pneu velho fizeram papai sacudir a roupa na areia e mostrar que estava pronto para tudo. Em calção de banho abriu largas braçadas, aproximou-se, durou pouco o prazer de sua presença. Mergulhou e sumiu sob as águas.
Quase roucos de tanto gritar entreolhamo-nos em aflição, sem querer acreditar nos maus presságios que se chocavam como foguetes no espaço de nossas mentes.
Alívio sem nome tomou conta de nós ao ver suas pernas surgirem à flor d’água.
Depois de plantar bananeira, ele se aproximou sorridente para nos oferecer os ombros de onde passamos a praticar loucas cambalhotas.



Conceição Pazzola
Olinda, 18/8/2008.

sábado, 3 de abril de 2010

O PELADINHO DE ASAS

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“... O que sei é
que a probabilidade de uma ave,
neste instante,
cair sobre vossa cabeça,
devido a direção dos ventos
e a época do ano,
é de 0,052 por cento...”


M. da Graça Ferraz - Poema 2474
Gracias a la vida



E não é que esse percentual tão insignificante se tornou realidade? Caiu. Tão pequenino! Só uma coisinha cor-de-rosa sem penugem alguma, chegou pelas mãos de Ravenna (encontrada na rua) e está onde ela carinhosamente aninhou-a. Uma caixa vazia de sapatos, lâmpada acesa, flocos de algodão e toalha dobradinha (da mãe) para aquecê-lo. Acredita que sobreviverá. Chegou a hora de sair para o trabalho. Quem cuidaria do projetinho de passarinho?

Ela sabe a Voinha que tem. Na ponta dos pés dei uma espiada. A coisinha pelada e cor-de-rosa estava mais viva do que nunca, de bico escancarado, igual aos filhotes nos ninhos à espera da mãe passarinho trazer comida. Nenhum som e um minúsculo olho aberto. Como ser substituta de mãe passarinho? Nada de entrar em pânico.

Experimentei dar minúsculos farelos de pão. Engasgou-se, virgem mãe, que faço? Busquei um potinho d'água, engoliu com grande dificuldade, aquietou-se. À tarde a coisinha cor-de-rosa já emitia um piado fraquinho, fraquinho. Força de vontade para sobreviver! Hora de comemorar? Ainda não.Não é que estou ficando expert em mãe-passarinho? Vou lá de vez em quando, está de bico aberto? Alguns grãozinhos de fubá e água. A coisinha cor-de-rosa cansa depressa e dorme. Tomara que resista pelo menos até de noite!
No dia seguinte:
O peladinho de asas aprendeu a piar e não somente sobreviveu. Ganhou status de novidade, recebeu visitas. Quando voltei das compras, encontrei-o piando como louco em sua improvisada casa (caixa vazia de sapatos) no meu quarto (!) enquanto Ravenna lambuzava minha cama de acetona, água e esmalte, totalmente absorta a cuidar de unhas. Fazer o quê? Ela me disse que o projeto de passarinho piara a noite inteira. Desconfiei que fosse sobrar pra mim. A tia e o amigo haviam opinado sobre a espécie de seu pequeno e indefeso amigo.

Os dois examinaram todos os ângulos e foram taxativos: Filhote de urubu: olha o bico! Heliane contemporizou: Pode ser que algum pato selvagem passou voando por acidente e perdeu a cria... Isso movimentou a improvisada manicure direto para o computador. Corri ao ouvir o grito: na tela vi três peladinhos de asas idênticos ao nosso hóspede mirim, lindinhos, segundo Ravenna.

Para não contrariá-la, fui aos afazeres refletindo se patos selvagens sobrevoam minha cidade soltando as crias sem para-quedas. Esse mundo está mesmo perdido. Cá entre nós e o mundo todo, acredito que o piador mirim é filhote de pardal. Caso sobreviva, descobriremos! Stop para atender aos aflitos piados...
No outro dia:
Hoje o pequenino Mister M está feliz lá no céu dos passarinhos, certamente ganhou penas e força nas asas para voar e voz para cantar bastante.
Conceição Pazzola
01/10/2008

quarta-feira, 31 de março de 2010

SAUDADE

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Penso em ti e só o vento é testemunha
Silenciosa, quando sopra em meu rosto
Desfaz a tua imagem de meus sonhos
Acordo para a saudade e o desgosto

Lembro-te todo dia, toda hora
Sinto falta apenas de retalhos bons
Cortados de nosso hiato de amor
Lembro dele até nos sons de agora

De nossa música, de tanto carinho
Sobraram tuas juras, embora falsas
Guardadas nos instantes em que juntinhos
Vivemos o amor intenso, fugaz, esparso.

Vivo hoje a pedir por louca chance
Mesmo impossível para te dizer
Quanto seria tão feliz se o acaso
Trouxesse nem que fosse de relance
Último instante em teus braços pra viver.



Conceição Pazzola
Olinda, 23/4/2003

segunda-feira, 22 de março de 2010

AMOR PACÍFICO E FECUNDO - Tagore

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Não quero amor que não saiba dominar-se,

desse, como vinho espumante,

que parte o copo e se entorna,

perdido num instante.





Dá-me esse amor fresco e puro

como a tua chuva,

que abençoa a terra sequiosa,

e enche as talhas do lar.

Amor que penetre até ao centro da vida,

e dali se estenda como seiva invisível,

até aos ramos da árvore da existência,

e faça nascer as flores e os frutos.

Dá-me esse amor

que conserva tranquilo o coração,

na plenitude da paz!





Rabindranath Tagore, in "O Coração da Primavera"

Tradução de Manuel Simões

domingo, 21 de março de 2010

LAGARTIXA ALADA: Sinopse e I Capítulo

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LAGARTIXA ALADA


SINOPSE

Cuidadosamente, o forasteiro terminou de limpar o barro da sola dos sapatos antes de entrar no empório e ergueu os olhos de menino à procura do proprietário. Sinésio sentiu a força de seu olhar e virou-se. A semelhança com a linda jovem desaparecida o fez desvencilhar-se de outros fregueses e caminhar solícito ao seu encontro.

I-


Indiferentes à sua fama de possuir boa pontaria, cada vez os grileiros ficavam mais afoitos e investiam sobre tudo o que lhe restara. As terras, a casa e o pasto. A qualquer hora sentia-lhes o cheiro, a presença indesejada. Espreitavam-lhe os passos e hábitos, em número sempre maior disputavam a primazia do elemento surpresa. O ataque era questão de tempo.
O recurso de afugentá-los com tiros nos fundilhos principiavam a perder a eficácia. Reconhecia a inutilidade da luta desigual, mas, persistiria até que nada lhe restasse para fazer.
Quando os primeiros raios de sol se refletiam à beira do riacho, depois de prolongado período chuvoso, era possível montar sentinela.
Protegida pela folhagem, Sinhana juntava as dobras da saia entre os joelhos, afagava a espingarda carregada, pronta para qualquer eventualidade, o olhar vigilante.
Com a mesma tática, os grileiros invadiram pequenas propriedades das redondezas e agora cobiçavam o que lhe restara depois do assassinato de Moruba, que se transformara em assombração inoportuna porque nada poderia fazer para ajudá-la. Surgia em horas e lugares imprevisíveis, como a vigiá-la. Perambulava incansável pelos cantos da casa, na penumbra entre os cômodos, no meio das árvores, no velho armazém de arroz. Onde Sinhana estivesse lá também o fantasma de Moruba se encontrava, sem dar-lhe trégua ou tempo de acostumar-se à viuvez.
Esquecida dos bichos no pasto, do terreiro precisando de aragem, de raízes prontas para o consumo, de frutas podres no chão, dos passeios de barco, das pescarias de outrora nas águas límpidas do riacho com as pernas enfiadas dentro d’água horas sem conta onde fincava o anzol que pertencera à Moruba até o peixe fisgar a isca, Sinhana montava guarda prestando atenção aos ruídos.
Pressentia sombras movediças e o dedo corria lépido ao gatilho, muitas vezes refreado a tempo quando reconhecia os moleques ruidosos habituados a nadar, que vinham praticar acrobacias sobre a plaqueta no meio das águas, chovesse ou fizesse sol. Moravam em mocambos aglomerados sobre palafitas, na margem oposta. Sem perdê-la de vista, espadanavam água uns aos outros, enquanto grupos esparsos de lavadeiras acocoradas dedicavam-se ao trabalho. A maioria estava ali para vigiar os filhos.
Sinhana aprendera sozinha a manejar a velha espingarda, desde quando trouxeram o cadáver de Moruba e o enterraram nos fundos do terreiro, sem muitas explicações.
Os anos passaram; apesar de bem enterrado ele a assombrava com olhares furibundos por estar morto.



Conceição Pazzola



sábado, 20 de março de 2010

INCERTEZA

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Debruça a relva com a ventania
Arrasta uma flor na força das águas
Ninguém ouve seus gritos de agonia
Entregue ao rodopio da correnteza


Suas pétalas agonizam lentamente
Vão de enxurrada sem defesa
Indiferente o rio segue em frente
Obediente à força da natureza

Como a flor dizimada pelo vento
Prossigo afogada na incerteza
Da vida insana sem lamento
Insegura e distante da represa

Envolta na tormenta, devagar
Rendo-me a um torpor benfazejo
Desisto de querer e de sonhar
Desperdiço pétalas dos desejos.


Conceição Pazzola
Junho/2008

sábado, 13 de março de 2010

ALADIM

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Era uma vez
Você voou no mágico tapete
Por toda amplidão do meu céu
Onde os muros não existem

Livre e feliz sem ver limite
Achei que a vida sorria
Tu eras um gênio só meu
Vi no teu olhar doce ternura

Uma chama ardente, a ventura
De ser tudo, ir aonde quisesse
Nos jardins floridos do mundo
Longe de tudo por teu amor

Uma fonte inesgotável de alegria
A jorrar noite e dia sem parar
Como Aladim, fui além do possível

Em busca de um amor seguro
Mas o tempo, o inimigo implacável
Devagar destruiu meu muro

A maciez do tapete havia sumido
Restou-me relembrar nossa história
Sem choro alto e sem alarido
E vou repetir: Era uma vez





Conceição Pazzola

02/7/07

domingo, 7 de março de 2010

Mulheres / Pablo Neruda

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Mulheres



Elas sorriem quando querem gritar.

Elas cantam quando querem chorar.

Elas choram quando estão felizes.

E riem quando estão nervosas.



Elas brigam por aquilo que acreditam.

Elas levantam-se para injustiça.

Elas não levam "não" como resposta quando

acreditam que existe melhor solução.



Elas andam sem novos sapatos para

suas crianças poder tê-los.

Elas vão ao medico com uma amiga assustada.

Elas amam incondicionalmente.



Elas choram quando suas crianças adoecem

e se alegram quando suas crianças ganham prêmios.

Elas ficam contentes quando ouvem sobre

um aniversario ou um novo casamento.



Pablo Neruda


sexta-feira, 5 de março de 2010

QUARESMA

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Mal acabava o período carnavalesco, que atualmente não se limita apenas aos três dias, era hora de pensar na quaresma, que antigamente se levava muito a sério quando a força do protestatismo não se fazia notar como hoje.

Depois da quarta feira de cinzas tínhamos de esquecer as loucuras cometidas durante a folia e pensarmos na Páscoa, olhando a Via Crucis que estava na parede da igreja que frequentávamos, embora só de vez em quando, ou em forma de lindos vitrais. Nela se desdobrava toda agonia vivida por Jesus carregando uma cruz pesada no ombro, até chegar ao Monte Calvário onde seria crucificado.
A cada vez que via a Via Crucis sentia correr um frio na espinha dorsal, principalmente na Sexta Feira da Paixão.
Vivendo numa cidade do interior, tinha por obrigação visitar a igreja durante a quaresma, entrar numa longa fila e esperar minha vez de chegar ao altar, onde devia ajoelhar-me e ver de perto a imagem de Jesus cheio de chagas e uma coroa de espinhos com sangue escorrendo pela testa, coberto apenas por um exíguo pano branco, os pés cruzados como se ainda estivesse pregado na cruz, machucados e também sangrando.
Lembro da primeira vez. Era somente uma criança levada da breca, acostumada a apanhar e receber cascudos que nada resolviam. Ao chegar diante da imagem em tamanho natural, era como se estivesse diante do verdadeiro Jesus morto. Os olhos encheram-se de lágrimas e tratei de fazer meia volta rapidinho, sentindo-me a pior espécie de gente, sem entender como era que na manhã seguinte seguiria atrás da procissão de Aleluia, cantando hinos de alegria pela ressurreição de Jesus.
Felizmente, hoje em dia não há obrigação de entrar naquela fila, nem de levar as crianças para fazê-lo, semelhante à de um cinema ou de um parque de diversão, para ver de perto quanto Jesus sofreu.
Ainda com aquela imagem Dele morto na cabeça, jamais senti vontade de ir à Nova Jerusalém para a encenação da Paixão de Cristo, com atores belos e sarados representando Jesus.

Conceição Pazzola
Olinda, 5/3/2010

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

MANHÃ DE SOL DA TERÇA FEIRA

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Os gostos, os costumes, o modo de ser de cada um, nada disso é observado quando duas pessoas se apaixonam quase à primeira vista, como nós dois, que nos casamos oito meses depois de conhecer-nos.Por exemplo, o Carnaval que para mim era um fato natural, cíclico, e obrigatoriamente tínha de ser aproveitado enquanto durasse, para ele, que em diversas ocasiões me contara sobre o Carnaval de Veneza, o mais importante da Itália nada mais é senão um belo desfile de máscaras, diferente do nosso Carnaval com músicas próprias e muita gente pulando o frevo ou sambando nas ruas. Enquanto moramos no Rio quase não percebíamos essa diferença porque éramos um casal recente, muito feliz em qualquer época, mesmo durante o Carnaval quando nossas duas meninas choravam ao ver um mascarado ou ao ouvir a barulheira natural das ruas durante a festa momesca. Mas o tempo passou.

Já no Recife, o Carnaval é o que me habituei a ver e a curtir desde menina enquanto para ele era apenas uma festa libertina como a do Rio de Janeiro, onde homens se divertem admirando mulheres semi despidas e quando suas próprias mulheres descuidam, eles correm atrás.
Nos anos setenta, enquanto não aparecia coisa melhor para fazer, depois de perder o emprego meu marido trabalhou como taxista. Com maior afluxo de turistas, os dias de Carnaval representam ótima chance para trabalhar, assim ele não parava em casa. Ouvir e ver os outros se divertirem enquanto estávamos confinados era uma tortura chinesa.
Felizmente para nós, naquela época acontecia uma manhã de sol toda terça-feira de Carnaval, na casa de meu cunhado Wilson e Vane, minha irmã.
Mais uma ocasião para a família passar o dia reunida, pulando e cantando frevo no exíguo espaço da garagem da bela casa de Casa Caiada, enquanto no quiosque do quintal cercado por árvores frutíferas que representavam atração para as crianças, os mais velhos se reuniam para beber e saborear tira gostos, e quanto mais comiam e bebiam, mais apimentadas se tornavam as piadas e maiores as gargalhadas, testemunhadas por papai e mamãe debruçados no parapeito que levava à escadinha da quitinete onde eles moravam. Admiravam suas crias de olhares brilhantes e sorrisos nos lábios.
Por volta de duas horas da tarde, a manhã de sol acabava e todo mundo entrava na fila da dobradinha caprichosamente feita pela dona da casa, que matava a fome dos foliões e ainda havia sobremesas deliciosas à nossa espera, como a torta coberta de creme de leite e figo e um bolo de chocolate. A criançada beliscava a dobradinha pensando na sobremesa, servida com refrigerante.

No final do dia, meu taxista particular chegava para recolher o que sobrara de nós depois de tanta folia.



Conceição Pazzola
Olinda, 16/2/2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O GALO TÁ NA RUA SAUDANDO O CARNAVAL

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No sábado que antecede o Carnaval, todos os anos o Galo da Madrugada vai pra rua e uma multidão de foliões segue atrás, cantando e pulando desde a saída do Galo, que não mais acontece de madrugada e sim, nas primeiras horas da manhã e só termina ao entardecer. Desde a hora que o considerado Maior Bloco de Carnaval do Mundo vai pra rua, as pessoas vão chegando ao centro do Recife e se juntando às que já estão no meio da folia.
Todo ano se repete a mesma animação, o Galo da Madrugada ganhou fama e muita gente vem conhecê-lo, de outros Estados e até do exterior.
Cada sábado de Zé Pereira, vendo o Galo da Madrugada passar pelas principais ruas do Recife, relembro os desfiles do Corso dos Carnavais de antigamente, que também acontecia por essas mesmas ruas, prestigiado por gente de todos os cantos do Estado e de todas camadas sociais. O Corso não era tão grandioso quanto o Galo da Madrugada, com trios elétricos, cantores famosos e camarotes de autoridades, mas, consistia também em um desfile de carros, caminhonetes e caminhões devidamente enfeitados, ocupados pelos foliões, que nos primeiros Carnavais jogavam confetes, serpentinas e água de cheiro. Com o surgimento do lança perfume, sumiu a água de cheiro, em seu lugar os foliões transportavam tonéis cheios d’água que, na verdade, no calorão da folia e do para e anda da carreata festiva que era o Corso, era muito bem vindo quando atirados nos vizinhos de folia que seguiam nos outros veículos.
Não se falava ainda em trios elétricos, as pessoas cantavam as letras do frevo e das marchinhas carnavalescas acompanhadas por trios ou quartetos de músicos que animavam o desfile. Pulávamos sobre os caminhões, caminhonetes, jipes aerowilis e carros de capota arreada, circulando pelas principais ruas do Recife, aproveitando a chance de paquerar os passageiros de outros veículos que passavam por nós, recebendo e jogando lança perfume.
No Corso não existia a organização do Galo da Madrugada com patrocinadores importantes, mas, também era bastante divertido.
Só me resta lembrar Antonio Maria: “Ô, ô, saudade, saudade tão grande, saudade que sinto dos clubes das pás e vassouras, passistas fazendo tesoura nas ruas repletas de lá”...




Conceição Pazzola
Olinda, 13/2/2010.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

VELHOS CARNAVAIS

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Embora vivesse numa cidade de interior, desde muito cedo aprendi o que é Carnaval a pular atrás de bloco, a jogar água e talco em cima dos passantes desavisados, e fugir quando ninguém estava olhando, para correr até o clube da cidade onde os irmãos mais velhos, mascarados e fantasiados, divertiam-se. Pendurada à primeira janela à vista seguia-os com olhar de adoração, invejando-os, detestando ser ainda pequena, de menor idade. A glória máxima eram as matinês onde aproveitava para sacudir confete, serpentina e água nas outras meninas, e borrifar os meninos de lança perfume. Embora criança, penso que poderiam classificar-me de mala sem alça. Tanto incomodei que os irmãos passaram a levar-me no meio deles para os bailes onde só podiam entrar adultos. Suspendiam-me pelas axilas e o porteiro fingia que não percebia. Assim eles podiam divertir-se sem o aborrecimento de ter de levar-me de volta para casa. Sentada num banco, o famoso “quem me quer” ocupado por moças solteiras sem namorado, de olhares lânguidos para os rapazes enfileirados no outro extremo do salão, o que me fez entender logo cedo que os homens podem ser medrosos na abordagem mais do que as mulheres, porque enquanto eles continuavam lá, rindo amarelo e olhando de relance, sem ânimo de arriscar-se para convidar a menina mais bonita e mais oferecida, ela perdia a paciência, puxava outra menina e juntas entravam na folia. Faziam questão de passar junto ao punhado de medrosos e jogar lança perfume, de preferência nos olhos. Ah, minha linda blusa branca de cigana, nunca esqueci a nódoa vermelha atirada por uma bisnaga de um desses molengas...
Acontece que o juiz de paz em pessoa quando as filhas resolviam brincar no clube, percebia o truque, perseguia-me pelo salão e mandava que os irmãos me levassem de volta à casa. Esse juiz de paz era meu pesadelo; parecia multiplicar-se, onde eu estivesse, lá estava, com suas lentes de fundo de garrafa ele enxergava duplamente. Quanta humilhação!
Certa vez, papai foi convocado a acompanhar-nos ao clube. Cansados de interromper a brincadeira por minha causa, os irmãos bateram o pé. Naquela noite, se ele não fosse ninguém saia de casa, iam todos dormir cedo. No íntimo, eu sabia que era somente conversa fiada, quando me vissem dormir eles sairiam muito fagueiros.
Ao chegarmos ao portão do clube, investido na sua autoridade paterna, Seu Alfredo fez a bobagem de perguntar se faltava alguma coisa. Enquanto isso os irmãos aproveitaram para escapulir de fininho, deixando nós dois do lado de fora.
Olhei em torno e vi a Praça de Paulista como nunca vira antes. Quase não havia espaço entre as bancas de lança perfume, confete, serpentina, máscaras, chapéus coloridos, talco, bisnagas de água, pandeiros, reco-recos, manés gostosos... Pedi ao meu pai para comprar um lança perfume, não sobrara nenhum para mim.
Foi a deixa que ele precisava. Circulamos várias vezes aquela praça, esgueirando-nos no meio das bancas de bugigangas. Em todas, ele perguntava se vendia lança perfume e ouvia sempre a mesma resposta negativa. Quando o tempo passou, desconfiei que papai piscasse para o vendedor, será?
Não me lembro como cheguei em casa; creio que papai carregou-me no colo e cuidadosamente ajeitou-me no travesseiro. Pela primeira vez os irmãos puderam esbaldar-se sem problemas.

Conceição Pazzola
05/2/2010

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

É CARNAVAL

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Lá vem o tempo
É hora de vestir a fantasia
Porque os dias de folia
Já se aproximam

Eu quero sair, pular
Quero cantar de alegria
Em qualquer bloco
Preciso desfilar

Pode ser no bloco
Dos pirangueiros
Por que não
E logo ali
Vem chegando
Mais um cordão
Eu Quero Mais!

Cadê minha gente
Cadê meu pandeiro

Tragam bem depressa
Que eu quero ir atrás
Quando você, meu amor
Vier pra me buscar

No meio da multidão
Eu ainda vou querer
Pular, cantar e gritar
Até arrebentar
De tanta animação.

Conceição Pazzola

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

MIRAGEM

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Na areia meus pés marcam
O caminhar e no poente
O dia se vai docemente
Espero a noite chegar

Sigo sozinha pela escuridão
Levo a dor de mim sem você
Verto lágrimas de perdão

Luto contra o tempo de esquecer
O vento sopra nossa partitura
Devolve nosso amor e emoção

No sopro do vento
Ouço de novo tua voz
Cantando nossa canção
E na areia quero achar

Marcas de tua passagem
Anseio te ver chegar
Ao raiar de novo dia
Tudo é apenas miragem

Aqui estou a te esperar
Ainda é teu meu coração
Antes de nascer o sol
Sinto o calor de tuas mãos.


Conceição Pazzola

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

OTELO

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Vivia rondando pelo quintal, atrapalhando o sossego das galinhas e ninguém demonstrava gostar dele. Na hora do almoço, Otelo vencia a distância entre o quintal de sua dona Adelina e a nossa cozinha para ganhar ossinhos e pedaços de carne, eventualmente passados por baixo da mesa.
O cachorro menos bonito do mundo queria ser adotado pela nossa família, pois na casa de Adelina não havia aquela multidão de crianças de vários tamanhos, para dar-lhe boas alisadas no pelo sujo de tanto vadiar entre as três vacas do mini-curral de nossa vizinha.
Otelo desprezava seu lar de forma acintosa, só lembrado quando recebia um chute, uma canelada, ou um berro definitivamente claro: Sai daqui, vira-lata!
O coitado não guardava rancor. Além disso, o cheiro de nossa cozinha e o estômago vazio obrigava-no a voltar para baixo de nossa mesa onde recebia apetitosas sobras, atiradas a esmo. Criança e cachorro se entendem, a mesma coisa não acontece entre cachorro e adulto, ser imprevisível na maioria das vezes.
Um dia, Otelo magoou de modo involuntário o machucado na perna de um desses imprevisíveis seres, ora carinhosos, ora brutais, capazes de reagir estranhamente na hora em que sentem dor.
Nunca mais soubemos o fim do cachorro Otelo; ficou a triste lembrança de sua fuga repentina e do garfo enfiado entre seu pelo sujo e espesso.
Criança dificilmente assimila esses traumas.

Conceição Cardim Pazzola
14/1/2010