segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

ELENA EM CALHETAS



Não sei quantas almas tenho


Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo:
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa


quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

NAIARA MAIA PAZZOLA


Eu Sei Que Vou te Amar

Tom Jobim



Composição: Vinícius de Moraes



Eu sei que vou te amar

Por toda a minha vida eu vou te amar

Em cada despedida eu vou te amar

Desesperadamente, eu sei que vou te amar

E cada verso meu será

Prá te dizer que eu sei que vou te amar

Por toda minha vida

Eu sei que vou chorar

A cada ausência tua eu vou chorar

Mas cada volta tua há de apagar

O que esta ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver

A espera de viver ao lado teu

Por toda a minha vida...



quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

MAR


Mar,


de águas profundas,

esconde encantos

dos navegadores,

que nele viveram

bom tempo da vida.


Mar,

sereno e tranqüilo

nos leva a pensar,

que a vida se encerra

nessa mansidão,

de infinitas águas

que a terra envolve.


Mar,

viveu tantas guerras,

que vidas levou,

que deu o sustento do seu pescador,

que deixa saudade em cada partida...


Mar,

de viagens saudosas,

que muitos fizeram,

das cenas de amor

que tantos tiveram,

e hoje recordam com felicidade.



Mar,

bravio de perigos,

que nos arrepia e assusta o ruído,

das ondas gigantes que cobrem os barcos,

de tantos segredos que não conhecemos.

Mar,
a luz do poeta que nele se inspira,
fugindo da terra, mergulha profundo,
à busca da paz que tanto procura,
e que em poesia encanta os ouvidos
daqueles que sentem eterna alegria.


Luiz Guimarães.
13/05/2006




quinta-feira, 18 de janeiro de 2007

A CONFORMIDADE DO REMOÇAR DE ANDORINHAS



Como nunca entardecido



Observe aquela renda

tecida do chão ao ocidente

com matiz de anos.

Acabamos de fazer gritos nela

e prendemos com cuidado

colhemos os prontos

outros trançamos com força.

A tarde disse que não tardava

e a gente deitou a tarde na mornura

para abrasar essa noitinha

e fazer resultar satisfação

essas de iguarias.


Célio Pedreira, Tocantins




sábado, 13 de janeiro de 2007

ALFREDO, INES E NAIARA


TORRE DE NÉVOA


Sub
i ao alto, à minha Torre esguia,

Feita de fumo, névoas e luar,

E pus-me, comovida, a conversar

Com os poetas mortos, todo o dia.



Contei-lhes os meus sonhos, a alegria

Dos versos que são meus, do meu sonhar,

E todos os poetas, a chorar,

Responderam-me então: “Que fantasia,



Criança doida e crente! Nós também

Tivemos ilusões, como ninguém,

E tudo nos fugiu, tudo morreu!…”



Calaram-se os poetas, tristemente…

E é desde então que eu choro amargamente

Na minha Torre esguia junto ao céu!…



Florbela Espanca







A ALEGRIA DO NATAL


CANTIGA DOS PASTORES



À meia noite no pasto,

Guardando nossas vaquinhas,

Um grande clarão no céu

Guiou-nos a esta lapinha.

Achamos este Menino

Entre Maria e José,

Um menino tão formoso,

Precisa dizer quem é?

Seu nome santo é Jesus,

Filho de Deus muito amado,

Em sua caminha de cocho

Dormia bem sossegado.

Adoramos o Menino

Nascido em tanta pobreza

E lhe oferecemos presentes

De nossa pobre riqueza:

A nossa manta de pele,

O nosso gorro de lã,

Nossa faquinha amolada,

O nosso chá de hortelã.

Os anjos cantavam hinos

Cheios de vivas e améns.

A alegria era tão grande

E nós cantamos também:

Que noite bonita é esta

Em que a vida fica mansa,

Em que tudo vira festa

E o mundo inteiro descansa?

Esta é uma noite encantada,

Nunca assim aconteceu,

Os galos todos saudando:

O Menino Jesus nasceu!



Adélia Prado.



sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

RAVENNA, CLARA E OS CACHORROS


Duas mocinhas em flor
Primas as lindas meninas
Quando Ravenna nasceu
No dia quatorze de março
Clara estava a caminho
Por abril ela esperou
Vinte e seis abraços

E a festa duplicou

Somente na hora da foto
Elas trocaram os cães
Ravenna segurou Joselita
E Clara acudiu Bethoven
Para a pose ficar bonita

INES E ELENA NA BACIA DO PINA


ELENA NO PASSEIO DE CATAMARÃ PELO RIO CAPIBARIBE



De tanto te pensar, me veio a ilusão.

A mesma ilusão

Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.

De te pensar me deito nas aguadas

E acredito luzir e estar atada

Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.

De te sonhar, tenho nada,

Mas acredito em mim o ouro e o mundo.

De te amar, possuída de ossos e abismos

Acredito ter carne e vadiar

Ao redor dos teus cismos. De nunca te tocar

Tocando os outros

Acredito ter mãos, acredito ter boca

Quando só tenho patas e focinho.

De muito desejar altura e eternidade

Me vem a fantasia de que Existo e Sou.

Quando sou nada: égua fantasmagórica

Sorvendo a lua n'água.


Hilda Hilst






segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

INES PAZZOLA



Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.


Carlos Drummond de Andrade



A PROCISSÃO



Todos os anos, no dia da procissão de Nossa Senhora Aparecida o mesmo ritual se repetia. Logo depois de retirar o café da manhã da mesa e lavar a louça, começavam os preparativos da mulher de Serafim. Depois de preparar o sanduíche, envolvê-lo em papel pardo e guardá-lo na bolsa a tiracolo ela fechava portas e janelas, fazia as mesmas recomendações e partia.
Só então ele deixava escapar um longo suspiro de alívio, esfregava as mãos antes de retirar a gaiola da viga do terraço, fechava a porta de casa e rumava para os lados da mata enquanto o sabiá cantava alegremente dentro da gaiola. Tinha o dia livre para fazer o que lhe desse na telha, pouco ou nada o afetavam as manias de sua mulher habituada a freqüentar a casa do pároco, a sacristia e a igreja em todas as oportunidades. Depois que a velhice chegara, era a sua maneira de preencher a vida.
Chiquinho soltou um trinado de cumplicidade quando eles caminharam em direção ao manso regato. Serafim assobiou em resposta, lamentando não ter um bom anzol para entregar-se à pesca pelo resto daquele dia ensolarado.
Ah, se a mulher soubesse como aquela liberdade lhe era cara, bastava a companhia e o canto de Chiquinho para sentir-se feliz em longos passeios nos arredores da cidade onde viviam outros sabiás.
Acharia alimento em qualquer árvore frutífera dentro da mata; desde que o papo do sabiá estivesse cheio o resto se arranjava. E lá se foi com o pássaro cada vez mais canoro.
Enquanto isso Ambrosina chegou ao destino, entrou pressurosa pela sacristia para começar sua tarefa antes de chegarem os primeiros fiéis. Sabia quanto podia ser útil ao velho sacristão que se locomovia com ajuda de muletas. Os santos dos altares, imagens, castiçais e demais adereços sacros reluziam quando ela terminou o seu trabalho, sorriu de satisfação, arrumou as flores dos jarros, depois poliu os bancos que deviam brilhar em dia de festa.
Às duas e meia da tarde, a multidão comprimida no interior da igreja começou a acompanhar a saída da procissão; formou fileiras comportadas atrás dos andores enquanto Ambrosina engolia o último naco do sanduíche, bebia um gole d’água na sacristia e correu para ocupar o lugar junto ao andor principal. Acreditava que Nossa Senhora Aparecida olhava para ela.
Pena que nenhum de seus filhos aprendera a rezar, pelo contrário, riam de sua carolice. Depois de crescidos haviam debandado para São Paulo, restou a Serafim cuidar do passarinho, deixando-a livre para suas peregrinações diárias pelas comunidades pobres da periferia.
Pouco se lhe dava ficar ou sair de casa e o marido não se importava.
A procissão continuou ao som da música entoada pelos fiéis, cada vez mais numerosos a cada esquina.
A tarde terminara quando o cortejo retomou à igreja, naquele instante Ambrosina sentiu a primeira fisgada estranha dentro do peito. De fome não morreria, pensou, tivera o cuidado de se alimentar.
Elevou a voz com toda a força de seus pulmões até a dor repetir-se, obrigando-a a silenciar. Trêmula, teve de amparar-se ao braço da vizinha, que acolheu o gesto com um sorriso sem notar a sua extrema palidez.
Antes de a procissão chegar no alto da ladeira a nova pontada tirou-lhe o fôlego, arroxeou seus lábios. Cambaleou. Sem forças repentinamente escorregou sobre a calçada. Enquanto os circunstantes tentavam socorrê-la, no olhar fixo de Ambrosina a imagem de Nossa Senhora Aparecida sumia devagar até desaparecer por completo. Parara de respirar.

Conceição Pazzola. Olinda, 16 de setembro de 2004.



MARCIANO PAZZOLA




Às Mães

Suas Mãos


Aquele doce que ela faz
quem mais saberia fazê-lo?

Tentam. Insistem, caprichando.
Mandam vir o leite mais nobre.
Ovos de qualidade são os mesmos,
manteiga, a mesma,
iguais açúcar e canela.
É tudo igual. As mãos (as mães?)
são diferentes.

Carlos Drummond de Andrade




quarta-feira, 3 de janeiro de 2007

POEMA DE IBEJI


Num rumorejo alegre
as moças cuidadoras
aveludaram a senhora

arrumaram seus cabelos
escolheram seu vestido
e pintaram suas unhas
cor de rosa.

Foi assim adocicada
que a mulher sentou-se
frente ao bolo perolado
entre firme e desvanecido
em cascatas de açúcar.

As velas pulsando 80
e o batuque vigoroso dos corações
bordeando a mesa
atordoaram a menina.

Os mais atentos viram,
apesar da inexatidão dessa hora,
quando ibeji ventou sorrindo
roubando doces da mesa
e fazendo brotar dos olhos dela
a nascente de um rio.

Martha Galrão
03/1/2007



Conhecido na Umbanda como Cosme e Damião e, erradamente identificado nos Candomblés como Erês, Ibeji é na realidade a divindade gêmea da vida - uma dualidade de existência que proporciona aos seus filhos certas vantagens em relação aos demais orixás.

Chamado de Ibeji na nação Ketú ou Yorubá e Tobossi no Gege Vodú, esse orixá-Vodun se identifica no aspecto masculino como Tossé e no feminino como Tossá. Geralmente proporcionam aos seus filhos, famílias extensas ou o aparecimento de filhos gêmeos. Na Nação Angola, Ibeji é conhecido como Vounge Mona Ame.







 

DEVANEIO PELO RECIFE


Ando nas mesmas ruas

De meu lugar verdadeiro

Em pontes e ruas antigas

Vou sem rumo sem dinheiro

Descubro tantas esquinas

Sem mistérios, todas minhas



Procuro o boi de Nassau

A voar sobre a ponte

Quero seguir a charanga

Dos blocos de Carnaval

Todos felizes de tanga



Vou à procura do passado

Quero ir com o meu pai

Passear na Rua Nova

Naqueles domingos de paz

Ver as pontes sobre os rios

Ver o sol do meu Recife



Minha terra é o sacrário

Nela está o meu lugar

Vou à Praça do Diário

Cheia de gente invulgar



Sinto falta dos cinemas

Art-Palácio, Moderno...

Sumiram de vez de cena

Desfolhados do caderno



Revejo na Rua Aurora

Só o cinema São Luiz

Guarda muitas histórias

De um tempo mais feliz.



Quanta glória no então

Os doces tempos de viver

Cálidas tardes de verão

Concorridas matineis.

Pelas ruas do Recife

Tudo pode acontecer.



Conceição Pazzola
Olinda, 19/06/2006.




 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

AQUI MORA A SOLIDÃO


 
A casa é imensa.
Tem seis quartos, uma sala enorme e um corredor longo e sombrio.
Aqui é que mora a solidão.
Logo que cheguei, não notei quão grande era a casa.
Pouco me importavam as pessoas que passavam por mim, nem tentei decorar os nomes.
Já havia muita solidão dentro de mim, o vazio era intenso...
Penalizei-me de vovó. Ela sempre se perdia dentro da casa.
Ela ficava com as mãos na cabeça e olhava em torno, indagando: “onde estou?”
Eu dizia: Em casa, vovó... Você gosta da casa?
Ela respondia que não e me fitava com um olhar pesaroso e parecia adivinhar que eu nada poderia fazer em seu favor.
“Queria ir para casa, ver meus netinhos, meu gatinho encarnadinho”...
Todos sorriam quando ela mencionava um gato encarnadinho.
É tão difícil um gato desta cor.
Mas ela tinha um gato encarnadinho e isso me fazia rir e invejar-lhe a sorte de ter algo tão original. Tão lindo...
Com o correr dos dias, mal notava o corredor imenso, estava tão ocupada comigo mesma!
Ou ainda porque me acostumei a mesquinhar minha amizade.
Tudo é questão de hábito...
A casa, à medida que passam os dias, parece maior e mais vazia.
Estou isolada como se fosse uma ilha.
Nada me comove...
Só vovó quando diz de sua casinha, seus netinhos e seu gatinho encarnadinho.
Só vovó me comove na casa onde mora a solidão.

VINA CARDIM (8/8/1940 - 16/10/2000)