terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

CROMO



Na parede impessoal

de um consultório médico

sinto a vida escorrer

por um riacho manso


Na tosca ponte de madeira

vai pela clareira do bosque

uma frágil carroça atrelada

a um jumento castanho


Obedece ao homem de chapéu

ladeado por duas crianças

de faces coradas e risonhas


No coração da mata verde

esconde-se uma casinha branca

coberta por telhado vermelho

e misteriosas janelas azuis


Do outro lado do riacho

uma camponesa tange

a sua cabra malhada


Que teima em mastigar

bocados da relva úmida

enquanto o sol nascente

desponta entre as nuvens


Vara os ramos de árvores

à procura da limpidez

das águas frias do riacho


Como num passe de mágica

piso na relva encharcada

pelo orvalho da madrugada


Sou a mulher camponesa

tanjo minha cabra malhada

atravesso a ponte a cantar


Retribuo ao beijo do homem

afago as lindas crianças

com eles sobre a carroça

vou aonde me levarem


Debruço-me nas águas

serenas do riacho manso

preciso ver os peixinhos

prateados e saltitantes.


Conceição Pazzola

Olinda, 12/2/08.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

CINZAS

Foto pública



Por Suleiman Kalil Botelho


Já é tarde, querida, muito tarde

Pra reacender a chama que existiu.

Sob estas cinzas frias já não arde

A lava de um vulcão que se extingüiu.


Foi-se de vez, serena, sem alarde

Como um raio de sol que se encobriu

Atrás dos montes, ao cair da tarde,

E só as sombras sabem que partiu.

É o destino fatal das coisas vivas:

Que se esfumem no tempo, sejam breves,

Frágeis, fugazes e, ao tempo, tão cativas.


Não há porque chorá-las. O esquecimento

É o remédio maior que as torna leves

E nos salva da dor, do sofrimento.


16/12/2004





sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

FALA


Foto: Fundo do mar de Picãozinho -João Pessoa, PB


Segundo repouso em Atlântida

Opacos eus que não se escondem

Ardendo na pele,

Nas bordas do mundo.

Correm dos Ciclopes, das Sílfides.

E se espraiam na morna areia atlântica.

Trazem o ocaso para a linha da cintura,

Avermelhando o amarelo chacra.

Translúcidos eus esfumaçados

Abordam as marés como gaivotas.

E os bicos mergulham e sentem frio.

Arrepiam-se.

Piam.

O mar será minha guarida.

Essa piscosa casa nacarada,

Tritônica.

Sílvia Câmara

http://brisapoetica.blogspot.com


Fala

Falo do silêncio

que há

nas profundezas

do mar azul

é o reino

encantado

do rei Netuno

de belas sereias

algas marinhas

navios antigos

silencioso mundo

onde foi parar

a criança

sozinha.

Conceição Pazzola


Fala

Em meu silêncio,

falo de desertos e

pássaros de areia

que se apagam

e se redesenham

inesquecíveis

inexplicáveis

de sonho

e areia.

Falo do que lacrimeja

o olho.

Martha

http://mariamuadie.blogspot.com


FALA

Falo de agrestes

pássaros de sóis

que não se apagam

de inamovíveis

pedras

de sangue

vivo de estrelas

que não cessam.

Falo do que impede

o sono.

Orides Fontela (de Teia,1996)

Biobibliografia:

Orides de Lourdes Teixeira Fontela nasceu em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, em 21 de abril de 1940. Começou a escrever poemas aos sete anos de idade. Como ela mesma dizia, sua família "não tinha base cultural, meu pai era operário analfabeto, de modo que a cultura que peguei foi na base do ginásio, escola normal e leitura". Aos 27 anos deixou sua cidade natal e veio morar em São Paulo com dois sonhos na cabeça: entrar na USP e publicar um livro. Cumpriu os dois: fez Filosofia e publicou seu primeiro livro, Transposição , com a ajuda do professor Davi Arrigucci Jr., seu conterrâneo. Depois de formada, foi professora do primário e bibliotecária em escolas da rede estadual de ensino. Publicou ainda Helianto (1973), Alba (1983), Rosácea (1986), Trevo 1969-1988 (1988) e Teia (1996). Com Alba, recebeu o prêmio Jabuti de Poesia, em 1983; e com Teia, recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1996. Sempre com dificuldades financeiras, no final da vida acabou sendo despejada de seu apartamento no centro da cidade e foi viver com sua amiga Gerda na Casa do Estudante, um velho prédio na Avenida São João. Era uma pessoa irritadiça e muitas vezes se meteu em encrencas, brigando com seus melhores amigos. Morreu em Campos de Jordão aos 58 anos, no dia 4 de novembro de 1998 de insuficiência cardiopulmonar na Fundação Sanatório São Paulo. (Jornal da Poesia)


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

COMO RELÂMPAGO EM DIA DE TEMPORAL


Pôr-do-sol em João Pessoa/PB






O Carnaval sempre deixa muita saudade. Há o tempo para brincar, sorrir, cantar, para ser feliz, feliz, feliz até a quarta-feira de cinzas, há também o tempo de lembrar velhos carnavais.
O lema é sempre o mesmo: liberdade!
Esqueça os problemas, viva intensamente.
Carnaval também é ver o filho (ou a filha) vibrar de alegria: Mãe, ouça a música do bloco, sabe onde estou? No largo do Amparo! E o celular no ouvido me traz a certeza de que a vida é mesmo um carrossel, tudo se repete. No largo do Amparo...
Ah, quanta história aflora, acelera o pulso, dá saudade...
Meu pai prendia-me a mão e conduzia-me entre
as bancas dos vendedores ambulantes de reco-reco, mané gostoso, lanças perfume, pandeiros, confetes e serpentinas, todos numa gritaria ensurdecedora. Era preciso andar pelo meio da rua.
Do Largo do Amparo vi tremular pela primeira vez o belo estandarte da Pitombeiras dos Quatro Cantos sustentada por um brotinho - era assim que chamávamos o homem novo e bonito.
Por ele passei a suspirar na mesma hora, sorte minha, nos reencontramos no clube Atlântico onde a Pitombeiras encerrava o seu desfile.
Levei um tombo no meio do salão, com um sorriso de um canto a outro da boca ele correu a socorrer-me, juro, não foi de caso pensado. Pulamos juntos até o fim da manhã de sol.
Ao chegar a quarta-feira de cinzas o príncipe virou sapo e a vida seguiu o seu curso.
Quem era aquela menina? perguntou ele ao meu primo. Que importância faz?
Amor de carnaval é como o relampejar no céu antes do temporal. Lindo, vibrante, clareia tudo por um instante, depois desaparece.

Conceição Pazzola


Quem é você?

Adivinhe, se gosta de mim

Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados

Perguntando assim:

Quem é você, diga logo

Que eu quero saber o seu jogo

Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero me arder no seu fogo

Eu sou seresteiro

Poeta e cantor

O meu tempo inteiro
Só zombo do amor

Eu tenho um pandeiro

Só quero violão

Eu nado em dinheiro

Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte

Não sei mais dançar

Eu, modéstia à parte
Nasci pra sambar

Eu sou tão menina

Meu tempo passou

Eu sou Colombina

Eu sou Pierrot
Mas é carnaval

Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal

Deixe a festa acabar

Deixe o barco correr

Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou

Da maneira que você me quer

O que você pedir

Eu lhe dou

Seja você quem for

Seja o que Deus quiser

Seja você quem for
Seja o que Deus quiser

Noite dos Mascarados, Chico Buarque

O PARAÍSO É AQUI






João Pessoa é uma cidade limpa, acolhedora e linda. Xô, stress!
Cabo Branco, Ponta de Seixas, Tambaú, Picãozinho e o pôr-do-sol ao som do Bolero de Ravel tornaram o nosso passeio inesquecível.
Esqueci o medo de andar nas ruas em pleno Carnaval. Tivemos a chance de deliciar-nos nas águas limpídas e mornas da Paraíba e já estou com saudades.