terça-feira, 26 de dezembro de 2006

SAUDADE




Penso em ti e só o vento é testemunha
Silenciosa quando sopra no meu rosto
Desfaz a tua imagem de meus sonhos
Acordo para a saudade e o desgosto

Lembro-te todo dia, toda hora
Sinto falta apenas de retalhos bons
Cortados de nosso hiato de amor
Lembro dele até nos sons de agora

De nossa música, de tanto carinho
Sobram tuas juras embora falsas
Guardadas nos instantes em que juntinhos
Vivemos o amor intenso, fugaz e esparso.

Vivo hoje a pedir por louca chance
Mesmo impossível para te dizer
Quanto seria tão feliz se o acaso
Trouxesse nem que fosse de relance
Último instante em teus braços pra viver...

Olinda, 23/4/2003(16:40)





sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

O COMÍCIO


Às vésperas das eleições a cidade fervilhava. O palanque já estava armado no meio da praça principal e os preparativos para o último comício bem adiantados, quando aconteceu o imprevisto.

Magnólia decidiu comparecer e quando a mulher fincava pé era tarefa deveras complicada fazê-la desistir. Abdias Cintra tinha outros planos para depois do falatório, dos rapapés posteriores a todos comícios e não seria nenhuma Magnólia quem haveria de modificá-los.

Calculara a duração em cerca de quatro horas, certamente Lalinha o esperaria toda cheirosa, a cerveja bem gelada no freezer e a cama quentinha; por nada desse mundo deixaria de relaxar as canseiras da noite em seus acolhedores braços.

O diabo era encontrar uma boa desculpa para segurar Magnólia dentro de casa, sem correr nenhum risco de surpresas desagradáveis como daquela vez em que ela apareceu no final dos discursos e estragou os seus projetos.

Ele a conhecia muito bem, faria de conta aceitar de bom grado os seus argumentos, aquilo não é lugar para você, meu amor. Só dá homem, discurso, eleitor... Magnólia lhe mostraria os dentes com ar de conformada, dar-lhe-ia muitos beijinhos toda carinhosa e se trancaria no quarto para reforçar a impressão de que concordara. Entretanto, mais tarde trocaria de roupa e quando menos esperasse chegaria no palanque cheia de amor pra dar, forçando-o a voltar para casa em sua companhia.

Só de pensar nisso Abdias sentia o calafrio raivoso percorrer-lhe a espinha de alto a baixo, daquela vez teria de ser diferente. Armaria tudo muito direito, quem sabe até marcaria presença no comício somente por alguns minutos, arranjaria uma desculpa qualquer e correria para os carinhosos braços de Lalinha?

Mas, de quê jeito explicaria ao pessoal do partido a sua pressa, qual desculpa daria à Magnólia quando chegasse em casa somente no dia seguinte?

Ah, Lalinha... Por ela Abdias faria qualquer loucura.

Com um profundo suspiro acabou de trocar de roupa enquanto ouvia a mulher cantar desafinado no closet. Abria e fechava gavetas, esbaforida, disposta a comparecer de qualquer jeito àquele comício.

Quando menos esperava surgiu novo empecilho. Amandinha botou a cara na porta do banheiro: “Pai, aonde vai com a mamãe? Vão me deixar sozinha, é?” Perguntou, a expressão contrariada. Abdias chamou-a carinhosamente para mais perto e respondeu com o maior descaramento: “Meu benzinho, você chegou em boa hora. Convença a teimosa de sua mãe para ficar em casa! Já lhe disse que comício não é lugar para vocês e esse é o mais importante de nossa campanha. Ela detesta essas coisas, logo hoje cismou de ir também...”

A menina reagiu com um muxoxo e bradou: “Então é isso? Ninguém sai dessa casa sem mim, ouviram? Que traição é essa, dona Magnólia? Serei algum inseto para vocês me abandonarem aqui, sozinha?”

Magnólia ouvira tudo. Caiu na gargalhada e correu para a sua melhor aliada, beijou-lhe as bochechas coradas de raiva e respondeu: “Vá se trocar, meu amorzinho. O seu pai não pode chegar atrasado nesse comício. O que seria dele, sem nós duas? Vamos marcar presença, minha filha! A família toda reunida. Hoje essa gente vai ver que o Abdias é homem de muito respeito e merece ganhar de todo mundo!”.

Vencido, Abdias deixou cair os ombros em silêncio; mais uma vez Lalinha toda cheirosa e as cervejas bem geladas tiveram de ser adiadas.


Conceição Pazzola
Olinda, 16 de setembro de 2004.






 

BALADA PARA UMA CRIANÇA



Baixaram as cortinas de teu olhar
Afinal tudo em torno ficou silente
Longe se ouve o vento murmurar
A noite de sono chegará contente
Nenhum ruído restará em torno

Cedo a tua cama está dormente
Abrigo suave em canto morno
Menina boneca, doce inocente.

As lentas horas escoam na janela
Sonolenta e fugaz é a chuva noturna

Pronta a velar por teu sono
A orquestra vibrava nas telhas
Longa a noite chuvosa repetia.
Mescladas às nuvens relutantes
As matutinas estrelas, centelhas
Seu costumeiro brilho perdiam

Diante de ti, criança irreverente
Os raios de sol brincam de esconder
Sobre o teu rosto sopram brisa ardente

Calidez de uma manhã a te dizer
Os bons sonhos somem depressa
Quando é o novo dia amanhecido
Urge reaver todo o tempo perdido.
Estreitas as visões de mil promessas
Intensas chegam muito alviçareiras.
Refletem-se pelos recantos de casa
Os teus vagos desejos passageiros
Só no regaço materno acalentados.

Conceição Pazzola
Olinda, 26/04/1999.










O SOL DO AMOR



À tardinha, o sol da minha terra

brilha como os olhos da minha amada

Terno e quente me conforta com o seu calor

impelindo-me em busca da mulher que me conforta

com o seu amor.


À noite, os olhos da minha amada

brilham como o sol da minha terra.

Ternos e penetrantes denunciam

o calor que aquece o seu coração

e de manhã cedo me remetem à imensa

luz do sol, apenas menor que o amor

que a ela dedico.


Fernando Spanghero




 

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

LOUCURA


 Nunca mais fomos felizes
Longe do tempo passado
Sem amarras ou cicatrizes
Alegres afagos suspirados.

Havia para nós o amor
Sem limites sem cadeias
O lindo sonho desabou
Dentro das velhas teias

Ficaram sorrisos e lágrimas
E a melancólica despedida
Nas silenciosas bocas ávidas
Todas as juras esquecidas

Futuro e presente amargos
Somente boas lembranças
Hiatos fugazes hoje trago
De ti, meu amor criança.

Conceição Pazzola
Olinda, 13 de julho de 2006.

OLHAR


Um espaço imenso nos separava: eu e o sonho.

Sonhar acordada com a felicidade é loucura demais.

A minha ficção brincava com o real... Enxergava meus olhos que aparentavam cores;

minhas pernas corriam e meu coração se fartava de alegrias em alguns momentos.

Mas, o espaço de medo continuava a me invadir.

Ou eu a ele...

Que importa - estava sempre na minha frente.

Compreendi que é a parte irrealizável do meu instante.

Em nenhuma hora, em nenhum passar do tempo eu conseguiria penetrar.

Tal segredo não é permitido aos mortais; não como eu,

de asas curtas, sem contemplar o simples ato de voar.

Poderia ser uma lagoa, uma cachoeira ou simplesmente um deserto.

Mas, eu queria sim, penetrar por todos esses segredos do meu universo.

Tudo que temo, não ocupa espaço no olhar de outrem...

Mora tudo em mim: barquinhos na água são meus olhos chorando;

Montes verdejantes sou eu também, quando me sinto forte.



Verônica Aroucha

Recife - PE




 

terça-feira, 12 de dezembro de 2006

NO AR

A Poesia está em toda parte

E muito mais dentro de nós

Vem assim bem lentamente...

Martela a cabeça, é arte.

Tira o sono e nos corrói

Até o germinar da semente.


Conceição Pazzola
Olinda, 08/04/2006







 


Havia noites em que

A porta ficava aberta,

E podíamos vislumbrar

Na penumbra

A cidade mergulhada na neblina.

Havia noites em que

A porta aberta

Saíamos na chuva

Pelas ladeiras de Olinda.

Havia noites

Em que a tristeza

Era uma mera

Lembrança,

Perdida

Nos confins da infância,

Entre mangueiras

E atiradeiras.

Havia noites

Em que pairava

Como uma gaivota,

A eternidade do momento.


Carlos Maia.









 

segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

SONHOS DE MENINA


A flor com que a menina sonha

está no sonho?

ou na fronha?


Sonho risonho:

O vento sozinho

no seu carrinho.


De que tamanho

seria o rebanho?


A vizinha

apanha a sombrinha

de teia de aranha...



Na lua há um ninho

de passarinho.


A lua com que a menina sonha

é o linho do sonho

ou a lua de fronha?


Cecília Meireles 

PASSEIO




Agora que a longa chuva deu trégua
Sem borbulho nas calhas de telhados
Vejo entre nuvens o colorido arrebol
E quero passear em calçadas molhadas

Vou ao encontro de outras meninas
Tão felizes e descalças como eu sou

O longo temporal e a forte ventania
Derrubou sob árvores gostosos oitis
Em breve teremos sorrisos amarelos
Trocaremos nossos alegres segredos

Depois de risadas e suspiros reprimidos
Impacientes, envoltas no brilho do sol
Em grupos ruidosos pedalamos bicicletas
Seguidas de perto por olhares preocupados
Daqueles que serão um dia nossos maridos.

De tanto pedalar ao sabor da ventania
Teremos desmanchados nossos cabelos
Inflamados em nossos peitos os desejos
Inconfessos verdes anos de puberdade

Sufocada sob as pregas do vestido
Aflorada em rimas, cantigas e solfejos
Repartidos entre amigas sem juízo

No regresso às nossas casas ao fim do dia
Afogueadas por mil risadas de euforia
Unimos melodiosos assobios irritantes
Ao canto de cigarras, sabiás, bem-te-vis
Entre os galhos de árvores vigilantes
Habitam esses comedores de oitis.

Conceição Pazzola
Olinda, 13 de julho de 2002 (09:20)




YASMIM E MAIARA




BRILHO PASSAGEIRO




No céu entre nuvens passageiras

Brilham as estrelas ofuscantes

Sonham na terra meninas fagueiras,

Esperam o primeiro amor distante



À distância as estrelas se transmudam

Uma some, outra assume o seu lugar

Tão bela e talvez muito mais brilhante

Pisca-pisca para o encanto de olhar.



Pulsam corações em descompasso

Diante da Via-Láctea deslumbrante

Corre o facho de estrelas no espaço

Some entre as nuvens o diamante



Luminosa é a beleza genuína

Cada uma vem disposta a revelar

Esconde o brilho breve da menina

Enigmática mulher no doce olhar


Conceição Pazzola
Olinda, 29/04/2002



 

O CAVALO NA ESTRADA


Durante o verão Olga aproveitava todas as folgas e fins de semana para passear com os filhos em praias distantes onde pudessem divertir-se, esquecidos de todos os problemas deixados para trás. Acostumou-se a percorrer as estradas tranqüilas e silenciosas especialmente ao entardecer. Por todo o trajeto, o reconfortante silêncio enchia o seu espírito de paz, até a estimulava a juntar a voz desafinada ao som do carro.

Naquele sábado, logo depois do almoço e de grande perda de tempo para escolher o quê jogar dentro de mochilas, finalmente eles estavam prontos para a viagem sob as primeiras sombras do ocaso. Por terem saído mais tarde, a poucos metros da encruzilhada antes da pousada onde costumavam se hospedar o motor do carro começou a morrer. Com a intenção de retornar ao posto de combustível visualizado pelo caminho há pouco tempo, Olga convenceu as crianças a descer para empurrar. Por sorte o motor respondeu logo e conseguiram chegar no posto; bastou o exame superficial de um mecânico jeitoso e o motivo do pretenso defeito apareceu: ela havia esquecido de completar o tanque. Resolvido esse problema de somenos importância eles fizeram um bom lanche no self-service do posto e retomaram a estrada.

A noite chegou durante o percurso que os levaria finalmente à pousada e pela primeira vez em tantos anos Olga precisou acender os faróis. Por uma razão inexplicável sentia os nervos à flor da pele, a estranha inquietude a fez ansiar por chegar logo ao destino.

De súbito os seus temores se confirmaram. Sem que previsse o grande vulto saiu do acostamento e parou diante do carro, parecia desnorteado. Tarde demais tentou desesperadamente acionar o pedal de freio, sentiu o forte impacto e muitos relinchos; teve um rápido descontrole da situação, respirou fundo para acalmar-se até conseguir parar o carro. Só então ouviu as crianças gritarem de pavor, olhou incrédula para o cavalo estatelado sobre o capô, o suor frio escorreu-lhe pela espinha e se transformou também numa criança em pânico, como os seus filhos, Olga debulhou-se em lágrimas ouvindo os próprios gritos. Na estrada escura e deserta ecoou o som do berreiro incontrolável do trio e nada, ninguém apareceu para explicar a súbita aparição do animal desembestado. Puro milagre, mãe e filhos nada sofreram além do grande susto diante de um pobre cavalo ensangüentado sobre os vidros do pára-brisa.

Olga foi a primeira a readquirir a calma. Abraçou os filhos, conferiu se estavam feridos, conversou baixinho antes de descerem do veículo. Com as mãos trêmulas ela abriu o porta-malas, apanhou a lanterna e acionou o alarme do carro sem coragem de olhar o cavalo ferido ou morto, em seguida eles começaram a caminhar pela estrada deserta até a pousada acompanhados pelo coaxar de sapos e o piscar de vaga-lumes tiveram a impressão de viver um filme de horror. Somente ao entrar no quarto que lhes fora destinado Olga se lembrou do celular na bolsa para pedir socorro.

Naquela noite, o reconfortante silêncio quebrado pelo contínuo marulhar de ondas sobre a areia da praia não foi suficiente para devolver a tranqüilidade bruscamente interrompida. Teria de enfrentar as conseqüências do acidente, o veículo danificado e todos os contratempos por não ter visto o cavalo solto na estrada erma.

Conceição Pazzola
Olinda, 20 de abril de 2003 17:15








A TESE




A PALAVRA DO FILÓSOFO

ENCHIA-OS DE SOFISMAS

E TINGIA, QUAL BASÓFILO

EM CORES VIVAS SUAS CISMAS


DOGMÁTICOS DITADOS

PRA QUEM BUSCA RESULTADOS.



MAS, NAS MÃOS O BASIÓTRIBO

O LEVAVA A COMETER

VÁRIAS MORTES SEM RECIBOS

DE IDÉIAS CONCEBIDAS

PRA NÃO TEREM PRÓPRIA VIDA.



CLÓVIS CAMPÊLO

RECIFE, 2006




 

QUATRO PÉTALAS



ERA UMA PEQUENA FLOR SEM GRAÇA, SEM COR, DE QUATRO PÉTALAS E DE PERFUME QUASE IMPERCEPTÍVEL.

NUM JARDIM DE FLORES RARAS, RICOS MATIZES E DOCES FRAGÂNCIAS, SURGIRA ESSA FLOR SEM GRAÇA, TÃO DESCOLORIDA...

- SER FLOR, ENTRE TANTAS FLORES... COMO FUI NASCER AQUI?
QUE ESTRANHO ACASO ME TROUXE A ESTE LUGAR, ONDE SOU SOMENTE UM TALO VERDE COM QUATRO DEDOS BRANCOS, NUMA INÚTIL TENTATIVA DE ACENAR AO VENTO?

À MESMA HORA CHEGAVA O SOL COM SEU RISO CLARO DESPERTANDO AS FLORES, E COM ELE VINHA O VENTO CANTANDO,

ACARICIANDO AS PÉTALAS VIÇOSAS E NEM NOTAVA A FLORZINHA QUE SE ESTICAVA EM SEU TALO VERDE, TENTANDO FAZER SOBRESSAIR ENTRE OS ARBUSTOS SUAS PÉTALAS FININHAS, NUM ACENO.

SEMPRE À MESMA HORA, O CALOR DO SOL, O CANTO DO VENTO, A FESTA DAS FLORES E O DESCONSOLO DA FLOR PEQUENA E SEM COR...

VEIO O INVERNO, AS FLORES FORAM ABRIGADAS DA CHUVA E DO VENTO FRIO E, DENTRO DA ESTUFA VIAM INDIFERENTES A CHUVA CORRER NO CHÃO, NAS FOLHAS SECAS, NA FLOR SEM NOME, SEM GRAÇA.

UM DIA, QUANDO O SOL JÁ MORRIA... PASSOU O VENTO TÃO DISTRAÍDO, TÃO TRISTE POR NÃO PODER SENTIR AS FLORES FECHADAS NA ESTUFA E, NO ÚLTIMO SUSPIRO, LEVOU PELO AR QUATRO PÉTALAS SEM COR, QUE UMA FLOR SEM GRAÇA LHE OFERECIA...

VINA CARDIM



 

sábado, 9 de dezembro de 2006

MUITO MAIOR A SAUDADE



O que é saudade

Senão ansiedade de voltar

No tempo que se perdeu

Longe de toda emoção

Do amor que terminou

Sem avisar sem perdão



Da louca vontade de rever

Aquele lugar mais bonito

Onde fomos muito felizes

É a necessidade de ouvir

Aquela voz mais querida

De um alguém inesquecível



É a saudade de sentir

Aquela carícia mais terna

Ouvir o sussurro mais doce

De um grande amor perdido

O que pode ser a saudade

Senão a dor do desamor



De quem nunca esquecemos

Apesar da toda distância

De todos os obstáculos

Do passar de todos os anos

De todas as queixas e mágoas

Ainda resta aquela saudade



E a duradoura sensação

Resistente e teimosa ilusão

De que falta para ser dita

Uma palavra mais bonita



Capaz de reacender a paixão

É a falta do beijo mais longo

Aquele que sempre deixa

Muito maior a saudade.


Conceição Pazzola
Olinda, 11 de outubro de 2006.




 

A LUZ DE MEU SOL


E a tarde perdeu a cor

Quando foste embora

Sem dizer adeus.

É a casa qualquer lugar

E qualquer hora dentro

De nossas vidas...

Basta estares comigo



Sem saber se voltarás

Fico só a te esperar...

E para isso eu vivo

Até que a noite desce

De repente e sem aviso

Estás em meus braços

Esqueço a tarde cinzenta

Descubro, nada mais sou

Apenas a tua sombra.



Respiro porque respiras

E porque ainda te amo

Sempre me atormenta

O medo de tua ausência



Ah, quem me dera

Ter-te a qualquer hora

És a cor de minha vida

O porquê e a razão

De nossa história



O sopro que respiro

O doce alento, a canção

Mais bonita é tua voz

A luz do dia, o sonho maior



Ouço a música que desejo

No calor de teus braços

Sinto o teu coração

Bem junto ao meu...

E por ti me desfaço

Presa de tua paixão

És a luz de meu sol.


Conceição Pazzola
Olinda, 28/8/2004.




 

LAGARTIXA ALADA, trecho



Os dias passaram, antes de terminar o ano a paciência dos homens que vigiavam as propriedades ribeirinhas chegou ao limite. O incêndio começou pelos fundos do terreiro com a primeira tocha atirada sobre o antigo armazém, ocioso desde quando Moruba e Sinhana deixaram de cultivar arroz à beira da barranca do riacho. Propagou-se rapidamente, consumiu também o galpão onde guardavam animais e frutas antes de negociá-los em feiras-livres ou quitandas à beira de estradas.

O calor e as labaredas se espalharam por todos os cantos até rodear a casa por completo; mesmo assim elas sentiram calafrios ao verem o volume de negro rolo de fumaça tangido pelo vento em direção ao céu. Sinhana tornou a entrançar os cabelos em desalinho, o rosto marcado pela disposição de lutar que Bibiana em pânico não teve tempo ou disposição de notar, dedicada a esticar a mangueira com as mãos trêmulas desde o tanque de lavar roupa até o rastro de fogo, correndo veloz pelo mato.



Trecho do livro LAGARTIXA ALADA, de Conceição Pazzola.




 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

MARCIANO, INES E IGOR



BREVE MAGIA


Doce é o pássaro da juventude

Quanta ilusão traz na chegada

Nenhuma bela gaiola dourada

Vai aprisioná-lo para sempre



Empresta-nos as suas belas asas

Com elas alçaremos lindos vôos

Além dos limites de nossos desejos

Onde a imaginação nos conduzir



Podemos voar alto sem amarras

Amar com todas as nossas forças

Somos senhores da breve magia

Nossos dias se tornam infinitos



Tudo é possível, o mundo é nosso!

Sem medo do desconhecido

Tão bela e feliz é a existência...



Dominados pelo doce pássaro

Mais tarde chegaremos a notar

A perda desse encanto de voar

Além dos limites em todo lugar



O nosso pássaro da juventude

Partiu sem adeus ganhou altura

Foi em busca de outras paragens

Foi semear novas aventuras



Nos corações ainda quietos

Onde falta emoção de viver

Acordam para o vôo sem metas

Para a ilusão de domar o mundo.


Conceição Pazzola

Olinda, 03/06/2006.






 

PETER PAN

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

RELANCE


Joguei fora minha pele de cordeiro

Quando cruzastes de novo o caminho

O teu sorriso, teu olhar tão feiticeiro

Arrastaram meu juízo em torvelinho



A tarde escorreu entre meus dedos

A noite fugiu mansa sem ver o tempo

Voltamos a repartir nossos segredos

Minúcias antigas trazidas pelo vento



A forte lufada de uma louca ventania

Dissipou incertezas, apagou ansiedades

Contigo resgatei desassossego e alegria

Afugentadas tristezas, morreu a saudade.


Conceição Pazzola
Olinda, 25/11/2006.



 

CALMARIA


 
Na casa vazia ao sol clamei
Por luz e calor esquecidos
Em portas e janelas fechadas
Há muito tempo perdidos

Na casa vazia em vão busquei
Por um brilho de teu olhar
Nem as estrelas fulgurantes
Com mil fagulhas radiantes
Poderiam se equiparar...

Clamei na casa vazia, esperei!
Indícios de risos aconchegantes
Nem as musas de belas canções
Com suas vozes mais delirantes
Devolveriam ao seu lugar

Na casa vazia ainda uma vez...
Anseio pelos passos e abraços
Daqueles a quem tanto amei.
Nem os sons mais suaves
Mostraram o mais leve traço

Pela casa vazia ecoa a pergunta
Onde se perderam os meus laços?
Encontro o céu de nuvens juntas
São elas as moradas esparsas?
Procuro agora a fórmula mágica
Capaz de levar-me ao espaço...

Conceição Pazzola








SEM APLAUSOS


Desertos restaram os camarins

Sem máscaras, sem fantasias

De colorido cetim esquecidas

Pelos cabides e nas coxias



Por inúteis há luzes apagadas

Sumiram por instantes de espelhos

Mil cenas e trejeitos ensaiados

Ecos nos corredores, conselhos.



Depois somente o total silêncio

Aliado a intenso negrume

Atrás de descidas cortinas

Vagam os sopros, o perfume

O eterno sonho de vaga-lumes



Continuam no palco deserto

Atrás da cortina fechada

Alentos, sonhos e desafios

Agora sem o astro principal

O espetáculo, a retomada

É chegada a hora do ato final



Reaberta da vida a cortina

O elenco se reúne e aproxima

Recomeça nova cena, a sina


De novo há espetáculo humano

No mesmo teatro a compasso

Tudo em seu lugar, sobe o pano

Aos bons artistas, aos palhaços.


Conceição Pazzola
Olinda, 09/101998.

 

PRETENSÃO



Serei o vento a brincar nas palmas

De coqueiros

Em nuvens do céu

Serei a brisa que geme suave

Na copa de árvores

E alvoroça as ondas do mar

Irei buscar espumas

Nos grãos de areia

Talvez no firmamento tocarei

Na lua, nas estrelas,

Nos cumes de montanhas



Lei nenhuma me prenderá

No chão

O céu será a minha casa

Na amplidão

Frio, calor, ódio, dor

Alegrias

Tudo enfim esquecerei



Gotas de chuva a escorrer

Pelo chão

Pelo tronco de árvores

Partículas de mim

Serão

Mesclas de belas cores

Do ocaso nas tardes

Multicores

Sem mais pressa

Sem nada.



Serei o escuro da noite

Nas águas calmas do rio

Serei aurora

Nas madrugadas

E nada, ninguém mais deterá

Eterna e maravilhosa será

A esperada e doce

Liberdade



Esquecerei todos sofrimentos

Desgosto, lágrimas

Angústia

Sem corpo, sem entranhas

Sem correntes corporais

Acharei enfim amor

E a paz



Buscarei braços e abrigo

Como frágil e carente

Criança

Sem dores humanas

Sem perigo

Conhecerei a bonança



Viverei no espaço infinito

Nas brancas nuvens do céu

Nenhum som, nenhum grito

O mundo perfeito será meu

Sem palmas, sem adeus.


Conceição Pazzola


20/10/1981.




 

O MITO





A tormenta noturna cessou

Quando o homem afivelou

As suas malas e partiu

Sem um olhar para trás

Sem uma palavra de adeus

Ninguém viu, nem chorou.

O cão de estimação correu

Até chegar aos rochedos

E na distância se perdeu

Na preamar desde cedo

Calaram todos os gritos

De mulher e de menino

Haviam perdido o mito.

Sem pressa, sem desatino

Deu o braço à namorada

E se foi sem dizer nada.



Conceição Pazzola

Olinda, 31/07/2006.



 

É NATAL!



É tempo de sonhar e esperar

Por um mundo melhor

É tempo de amar e perdoar

A grande mágoa e a menor

De abraçar o seu amigo

O pai, o irmão, o inimigo

De querer e viver desarmado

Pedir perdão e ser perdoado

De sorrisos e muita alegria afinal

Chegou de novo o Natal!



Conceição Pazzola

Dezembro de 2006.




 

INSTANTE


A gota d’água oscila

Na ponta de uma torneira

Contra o raio de sol poente

Refletido numa parede...

Um átimo de segundo apenas

E a gota d’água desaparece

Cai, ninguém sabe onde

Some e se desvanece

Talvez ninguém tenha visto

O reflexo do raio de sol

Nele surgiu o teu rosto

Quem sabe talvez o meu

Ninguém mais lembrará

Quantas gotas d’água

Oscilaram assim, quantas.

Sequer tiveram a sorte

Instante mágico de encontro

Com a luz quente e brilhante

Efêmera luz, o raio de sol.

Antes de sumir para sempre

E cair no esquecimento

Para onde costumam ir

Infinitas gotinhas d’água...


Conceição Pazzola

Olinda, 01/11/2006.








 

MARIA DA CONCEIÇÃO

Nome da mãe de Jesus

Ele morrendo na cruz

Ela chorando no chão

Agora, com seu perdão

Eu só queria entender

Você podia dizer

De onde vem o Pazzola

Esse não li na escola

Agradeço por me ler



Abraço amigo



José Paulo Cavalcanti Filho.





RESPOSTA (1)

Senhor Doutor:
Tenho a dizer...
Esqueci a saudade
E a grande emoção
Deixei na mocidade
O tempo em que era só
Maria da Conceição.

Por uma grande razão
Hoje o Pazzola
Ocupa o meu coração.

O PAZZOLA, QUEM É?
(2)

Ele era um garoto
Como você...
Com energia pra dar e vender
Amava a sua gente
E não pensava
Ganhar o mundo para sofrer

Tinha o desejo bem natural
De ser alguém na terra natal
Mas veio a guerra e tudo mudou
O seu lindo sonho se evaporou!
Sem ter escolha, virou soldado
Para lutar contra os Aliados...

Trocou a Itália pelo Brasil
Livre de farda e de fuzil
O trabalho e o pão aqui achou
Além de paz descobriu o amor

Nada faltava, mas mesmo assim
À sua terra ele quis voltar
Para rever de novo o seu jardim
Mas tudo mudara, tivera fim.

Por que remoer tanta tristeza?
Se Deus lhe dera a melhor certeza
Justo na Itália ele sentiu
A sua alegria se chama Brasil.

Abraço amigo
Conceição Pazzola 16/04/2002.



 

QUEM SOU EU


Serei mula sem cabeça

Se cair em telhado errado

Antes que o pior aconteça

Casei de papel passado...



Vivo a inventar tanta coisa

Vivo a fugir dos vexames

Preferia ser menos doida

Em respeito ao sobrenome



No espelho busco a pessoa

Sou assustada e ansiosa

Tento mostrar que sou boa

De coração, não sou formosa.



Oculto espinhos se preferem

Exalo somente odor de rosas

Sei da meiguice de mulheres

Exímias no fogão, talentosas



Escondo minhas cicatrizes

Preservo cada uma sem pudor

São lembranças bem felizes

De tantos anos inesquecíveis

Em cidade pequena de interior



A vida sossegada, os bondes

O respeito ao coronel ao Doutor

Na terra onde o vento se esconde

Terra de gente de grande valor



Venho de família muito grande

Dela herdei o amor à tradição

Medo, Respeito a Deus, o Amor

À cultura, ao estudo, à religião

Sem classe. Sem face. Sem cor.



Descreio somente no destino

Piso na vida com cuidado

Sou a esposa a mãe de família

Poeta do presente sem passado



Tento correr na mesma trilha

De tantas Marias Talvez

Sem lamentos com alegria

Não disfarço a timidez



Procuro nos ares a poesia

Esbarro em tanta bobagem

Desperto as doces melodias.

Caminho sem medo, radiante

E agradeço a todo instante.



Conceição Pazzola.



Olinda, 20/05/2002.