segunda-feira, 11 de dezembro de 2006

O CAVALO NA ESTRADA


Durante o verão Olga aproveitava todas as folgas e fins de semana para passear com os filhos em praias distantes onde pudessem divertir-se, esquecidos de todos os problemas deixados para trás. Acostumou-se a percorrer as estradas tranqüilas e silenciosas especialmente ao entardecer. Por todo o trajeto, o reconfortante silêncio enchia o seu espírito de paz, até a estimulava a juntar a voz desafinada ao som do carro.

Naquele sábado, logo depois do almoço e de grande perda de tempo para escolher o quê jogar dentro de mochilas, finalmente eles estavam prontos para a viagem sob as primeiras sombras do ocaso. Por terem saído mais tarde, a poucos metros da encruzilhada antes da pousada onde costumavam se hospedar o motor do carro começou a morrer. Com a intenção de retornar ao posto de combustível visualizado pelo caminho há pouco tempo, Olga convenceu as crianças a descer para empurrar. Por sorte o motor respondeu logo e conseguiram chegar no posto; bastou o exame superficial de um mecânico jeitoso e o motivo do pretenso defeito apareceu: ela havia esquecido de completar o tanque. Resolvido esse problema de somenos importância eles fizeram um bom lanche no self-service do posto e retomaram a estrada.

A noite chegou durante o percurso que os levaria finalmente à pousada e pela primeira vez em tantos anos Olga precisou acender os faróis. Por uma razão inexplicável sentia os nervos à flor da pele, a estranha inquietude a fez ansiar por chegar logo ao destino.

De súbito os seus temores se confirmaram. Sem que previsse o grande vulto saiu do acostamento e parou diante do carro, parecia desnorteado. Tarde demais tentou desesperadamente acionar o pedal de freio, sentiu o forte impacto e muitos relinchos; teve um rápido descontrole da situação, respirou fundo para acalmar-se até conseguir parar o carro. Só então ouviu as crianças gritarem de pavor, olhou incrédula para o cavalo estatelado sobre o capô, o suor frio escorreu-lhe pela espinha e se transformou também numa criança em pânico, como os seus filhos, Olga debulhou-se em lágrimas ouvindo os próprios gritos. Na estrada escura e deserta ecoou o som do berreiro incontrolável do trio e nada, ninguém apareceu para explicar a súbita aparição do animal desembestado. Puro milagre, mãe e filhos nada sofreram além do grande susto diante de um pobre cavalo ensangüentado sobre os vidros do pára-brisa.

Olga foi a primeira a readquirir a calma. Abraçou os filhos, conferiu se estavam feridos, conversou baixinho antes de descerem do veículo. Com as mãos trêmulas ela abriu o porta-malas, apanhou a lanterna e acionou o alarme do carro sem coragem de olhar o cavalo ferido ou morto, em seguida eles começaram a caminhar pela estrada deserta até a pousada acompanhados pelo coaxar de sapos e o piscar de vaga-lumes tiveram a impressão de viver um filme de horror. Somente ao entrar no quarto que lhes fora destinado Olga se lembrou do celular na bolsa para pedir socorro.

Naquela noite, o reconfortante silêncio quebrado pelo contínuo marulhar de ondas sobre a areia da praia não foi suficiente para devolver a tranqüilidade bruscamente interrompida. Teria de enfrentar as conseqüências do acidente, o veículo danificado e todos os contratempos por não ter visto o cavalo solto na estrada erma.

Conceição Pazzola
Olinda, 20 de abril de 2003 17:15








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