domingo, 21 de março de 2010

LAGARTIXA ALADA: Sinopse e I Capítulo

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LAGARTIXA ALADA


SINOPSE

Cuidadosamente, o forasteiro terminou de limpar o barro da sola dos sapatos antes de entrar no empório e ergueu os olhos de menino à procura do proprietário. Sinésio sentiu a força de seu olhar e virou-se. A semelhança com a linda jovem desaparecida o fez desvencilhar-se de outros fregueses e caminhar solícito ao seu encontro.

I-


Indiferentes à sua fama de possuir boa pontaria, cada vez os grileiros ficavam mais afoitos e investiam sobre tudo o que lhe restara. As terras, a casa e o pasto. A qualquer hora sentia-lhes o cheiro, a presença indesejada. Espreitavam-lhe os passos e hábitos, em número sempre maior disputavam a primazia do elemento surpresa. O ataque era questão de tempo.
O recurso de afugentá-los com tiros nos fundilhos principiavam a perder a eficácia. Reconhecia a inutilidade da luta desigual, mas, persistiria até que nada lhe restasse para fazer.
Quando os primeiros raios de sol se refletiam à beira do riacho, depois de prolongado período chuvoso, era possível montar sentinela.
Protegida pela folhagem, Sinhana juntava as dobras da saia entre os joelhos, afagava a espingarda carregada, pronta para qualquer eventualidade, o olhar vigilante.
Com a mesma tática, os grileiros invadiram pequenas propriedades das redondezas e agora cobiçavam o que lhe restara depois do assassinato de Moruba, que se transformara em assombração inoportuna porque nada poderia fazer para ajudá-la. Surgia em horas e lugares imprevisíveis, como a vigiá-la. Perambulava incansável pelos cantos da casa, na penumbra entre os cômodos, no meio das árvores, no velho armazém de arroz. Onde Sinhana estivesse lá também o fantasma de Moruba se encontrava, sem dar-lhe trégua ou tempo de acostumar-se à viuvez.
Esquecida dos bichos no pasto, do terreiro precisando de aragem, de raízes prontas para o consumo, de frutas podres no chão, dos passeios de barco, das pescarias de outrora nas águas límpidas do riacho com as pernas enfiadas dentro d’água horas sem conta onde fincava o anzol que pertencera à Moruba até o peixe fisgar a isca, Sinhana montava guarda prestando atenção aos ruídos.
Pressentia sombras movediças e o dedo corria lépido ao gatilho, muitas vezes refreado a tempo quando reconhecia os moleques ruidosos habituados a nadar, que vinham praticar acrobacias sobre a plaqueta no meio das águas, chovesse ou fizesse sol. Moravam em mocambos aglomerados sobre palafitas, na margem oposta. Sem perdê-la de vista, espadanavam água uns aos outros, enquanto grupos esparsos de lavadeiras acocoradas dedicavam-se ao trabalho. A maioria estava ali para vigiar os filhos.
Sinhana aprendera sozinha a manejar a velha espingarda, desde quando trouxeram o cadáver de Moruba e o enterraram nos fundos do terreiro, sem muitas explicações.
Os anos passaram; apesar de bem enterrado ele a assombrava com olhares furibundos por estar morto.



Conceição Pazzola



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