quinta-feira, 29 de maio de 2008

O CINEMA




Mamãe surgiu na clara tarde de maio determinada a realizar a tão adiada proeza, ir sozinha ao cinema.
Em segundo plano ficou a praça, o ponto de ônibus, a igreja, as crianças em círculo a brincar sentadas na grama. Restou só ela e o barulho ritmado de seus sapatos, no ar o acre perfume de seus cabelos recém tingidos.
Por toda manhã elas permaneceram no quarto onde a vizinha pintou, lavou, penteou e maquiou-a; juntas escolheram o que poderia cair-lhe melhor, a cama forrada de vestidos de várias cores. Papai encarregou-se de nos manter longe; à hora costumeira, na mesa posta para almoço todos se reuniram exceto mamãe.
O ritual ainda prosseguia.
Às duas da tarde as crianças menores dormiram e as maiores, entre as quais me incluía, ganharam a rua à procura de mil e uma chances para diversão.
Dividido ao meio, repuxado para trás das orelhas o seu cabelo terminava nas costas em duas graciosas tranças cor de azeviche. Quase irreconhecível de tão bonita.
Com olhar enternecido a segui até a bilheteria, a porta se fechou, nas pessoas em torno de mim a serenidade beirou à monotonia.
Nova inquietação varreu a rua de um canto a outro quando o homem surgiu apressado a lutar contra a força do vento, o rosto porejado de suor; papai lutava para manter na cabeça o chapéu panamá de abas moles, sequer notou a onda de cumprimentos à sua passagem.
Em questão de segundos superou a distância entre a praça e a primeira sessão do cinema.
Recolhi os pedaços espalhados na grama do que havia sobrado de mim, sem olhar para trás corri para o aconchego da casa.


Conceição Pazzola
Maio/2008

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