A tarde deixou de ser igual a tantas outras. O irresistível cheiro o atraiu para dentro da cozinha. A boca encheu-se de saliva.
Com a sua natural agilidade felina escorregou silencioso sobre o fogão: o caminho estava livre. Ninguém vigiava o apetitoso prato de sardinhas fritas que pareciam implorar para serem devoradas.
Vozes no interior da casa o tranqüilizaram.
Terminada a refeição lambeu os próprios bigodes: deliciosas!
Pulou de novo sobre o muro de onde viera e recomeçou a cantilena romanesca. Rodeada pelas estrelas, a lua se mostrava em todo esplendor.
Logo as companheiras de noitada atenderiam ao seu irresistível chamado.
Soubesse o que o esperava...
Novo entardecer e último dia de lua cheia. Intrigada com o sumiço de seu gato que não via desde a noite anterior, a mulher resolveu procurá-lo.
Após outra conferida por todos recantos prováveis, debruçada no muro avistou o vizinho, um senhor solitário, já entrado nos anos.
- Hei, Seu Agostinho, muito boa-noite!
O homem parou de molhar as plantinhas, ergueu o olhar curioso em sua direção:
- B’as noites. Como vai a senhora?
Foi direto ao assunto, a voz cheia de aflição:
- Por um acaso, o senhor viu o meu bichano por aí?
O vizinho largou o aguador no chão, sorriu enigmático e respondeu:
- Vi não, senhora. E passe muito bem.
Apesar da idade, sumiu rapidamente no interior de sua casa. Que sujeito estranho.
Sentiu um súbito arrepio percorrer-lhe a espinha, o riso do velho pareceu-lhe o prenúncio do mal.
Antes que a noite chegasse por completo, um moleque bateu palmas no seu portão. Abriu o saco encontrado no monturo e soltou um grito diante da visão medonha.
Todo retesado, os dentes à mostra o gato parecia sorridente.
Veneno fulminante.
Conceição Pazzola
Olinda, 22/7/2007
Um comentário:
Pôxa, que sacanagem!
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