domingo, 22 de julho de 2007

O FIM DO GATO GATUNO


A tarde deixou de ser igual a tantas outras. O irresistível cheiro o atraiu para dentro da cozinha. A boca encheu-se de saliva.

Com a sua natural agilidade felina escorregou silencioso sobre o fogão: o caminho estava livre. Ninguém vigiava o apetitoso prato de sardinhas fritas que pareciam implorar para serem devoradas.

Vozes no interior da casa o tranqüilizaram.

Terminada a refeição lambeu os próprios bigodes: deliciosas!

Pulou de novo sobre o muro de onde viera e recomeçou a cantilena romanesca. Rodeada pelas estrelas, a lua se mostrava em todo esplendor.

Logo as companheiras de noitada atenderiam ao seu irresistível chamado.

Soubesse o que o esperava...

Novo entardecer e último dia de lua cheia. Intrigada com o sumiço de seu gato que não via desde a noite anterior, a mulher resolveu procurá-lo.

Após outra conferida por todos recantos prováveis, debruçada no muro avistou o vizinho, um senhor solitário, já entrado nos anos.

- Hei, Seu Agostinho, muito boa-noite!

O homem parou de molhar as plantinhas, ergueu o olhar curioso em sua direção:

- B’as noites. Como vai a senhora?

Foi direto ao assunto, a voz cheia de aflição:

- Por um acaso, o senhor viu o meu bichano por aí?

O vizinho largou o aguador no chão, sorriu enigmático e respondeu:

- Vi não, senhora. E passe muito bem.

Apesar da idade, sumiu rapidamente no interior de sua casa. Que sujeito estranho.

Sentiu um súbito arrepio percorrer-lhe a espinha, o riso do velho pareceu-lhe o prenúncio do mal.

Antes que a noite chegasse por completo, um moleque bateu palmas no seu portão. Abriu o saco encontrado no monturo e soltou um grito diante da visão medonha.

Todo retesado, os dentes à mostra o gato parecia sorridente.

Veneno fulminante.


Conceição Pazzola

Olinda, 22/7/2007

Um comentário: