terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

UM CARTÃO DE VISITA



Moro tão longe, que as serpentes

morrem no meio do caminho.

Moro bem longe: quem me alcança

para sempre me alcançará.


Não há estradas coletivas

com seus vetores, suas setas

indicando o lugar perdido

onde meu sonho se instalou.


Há tão somente o mesmo túnel

de brasas que antes percorri,

e que à medida que avançava

foi-se fechando atrás de mim.


É preciso ser companheiro

do Tempo e mergulhar na Terra,

e segurar a minha mão

e não ter medo de perder.


Nada será fácil: as escadas

não serão o fim da viagem:

mas darão o duro direito

de, subindo-as, permanecermos.




Alberto da Cunha Melo













domingo, 18 de fevereiro de 2007

RETRATO EXTRATO



Adentro minha face no espelho

Paisagem de sonho, fantasia

Miragem do dia a dia

Realidade vazia

Onde a verdade?


A milênios assim me retrato:

No espaço dos meus olhos, apenas

O traço externo de minha face

Fotografo


A milênios assim me refrato:

Na expressão do meu olhar

A revelação do que eu não vejo,

Projeto


O semblante sem retoque, nas retinas

Estraçalho

Penetro meu rosto por entre os cacos

No caleidoscópio das pupilas

O avesso de minha face

Transparece

Afogo a imago

Afago o ego


Um eco: estou liberta


Virgínia Schall

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

LIMITES DO AMOR



Condenado estou a te amar

nos meus limites

até que exausta e mais querendo

um amor total, livre das cercas,

te despeça de mim, sofrida,

na direção de outro amor

que pensas ser total e total será

nos seus limites da vida.


O amor não se mede

pela liberdade de se expor nas praças

e bares, em empecilho.

É claro que isto é bom e, às vezes,

sublime.

Mas se ama também de outra forma, incerta,

e este o mistério:


- ilimitado o amor às vezes se limita,

proibido é que o amor às vezes se liberta.

Ele quis morrer para arrasar a morte e voltar.



Affonso Romano de Sant'anna.

AUTO RETARDA


Sou a feia e sou beleza

O gosto do bem querer

Sou a força e a fraqueza

Sou a menina sou mulher



Sou o tudo sou o nada

Na crença sou descrença

Na lágrima sou gargalhada

Sou o direito e sou avesso


No fim sou o recomeço


Sou mãe e a namorada

Sou acesa e apagada

No terreiro sou o terço


Sou a morte, sou a vida

Sou o hoje na despedida

Sendo essa sou a outra

Sou a odiada e a querida


Sou direita sendo avessa

Sou o vento pela estrada

Sem o pé sem a cabeça

Sou feitiço e emboscada.


Conceição Pazzola
08/2/2007



 

sábado, 10 de fevereiro de 2007

AMOR DE OSTRA


Nunca soube como as ostras amam.



Sei que elas têm um jeito suave de estremecer

diante da vida e da morte.



Tens um jeito de acomodar teu corpo ao meu

como na concha.



Eu não sabia como as ostras amam

até que duas pérolas brotaram de teus olhos

no mar de cama.


Affonso Romano de Sant'anna












 

domingo, 4 de fevereiro de 2007

QUANDO FORES VELHA




Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,

Dormitando junto à lareira, toma este livro,

Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar

Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;


Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,

Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,

Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,

E amou as mágoas do teu rosto que mudava;


Inclinada sobre o ferro incandescente,

Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou

E em largos passos galgou as montanhas

Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.



Yeats.


William Butler Yeats nasceu em 13 de junho de 1865, em Dublin, Irlanda, onde se desenvolveu em um meio culto e criativo. Poeta e autor teatral, Prêmio Nobel (1923) de Literatura. Foi o representante máximo do Renascimento irlandês e um dos escritores mais destacados do século XX.