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Meu filho Giovanni nasceu no dia nove de abril, apesar de o ginecologista ter garantido que nasceria provavelmente na primeira quinzena de junho. Antes de completar um ano, mudamo-nos para Olinda com a casa ainda em construção.
Por ser muito pequeno e franzino ele demorou a andar; engatinhava no meio dos trabalhadores da construção, mexia no cimento, nas ferramentas, brincava com pregos e tudo que aparecia pela frente. Nessa época eu tinha trinta anos, sentia-me em plena juventude e quase todas as manhãs saíamos para ir à praia, com a amiga e vizinha Dionéia e Nayara, respectivamente mãe e filha. Nayara estudava no mesmo colégio de minha filha Ines.
Apesar de prematuro Giovanni tomou banho de mar com três meses e adorou. Sorria e batia as pernas feliz da vida. Tudo ia muito bem até ele adoecer gravemente: diarréia, muita febre e completa falta de apetite, o diagnóstico foi ameba, giarda e mais duas espécies menos perigosas de verminoses.
Como ainda não completara um ano, os comprimidos contra ameba compostos por um veneno poderoso, tiveram de ser repartidos por quatro. Apesar do tratamento a febre persistia, assim como o hábito de levá-lo à praia. Certa manhã, quando assistíamos a um filme engraçado na TV, subitamente Giovanni começou a chorar e debater-se. Chorando também, corri a mergulhá-lo na banheira já pronta para o banho, e meu filho teve a primeira convulsão dentro d’água, ao mesmo tempo em que evacuava um líquido esverdeado. Meus gritos atraíram Silvinha e Cinda filhas de Dona Eunice, nossa vizinha, senhora super bondosa que nos cedia o telefone para comunicar-nos com o mundo.
Elas perceberam a gravidade da situação, levaram as meninas consigo deixando-me livre para correr ao pronto socorro conhecido pelo primeiro taxista que atendeu ao meu chamado. Enquanto Giovanni passava por meticuloso exame, liguei para minha irmã Vane, ela acudiu ao meu chamado. Pagou a caução exigida e levamos o menino de volta para casa.
Por toda noite troquei toalhas molhadas em torno de seu corpinho ardente, com ele na minha cama vez por outra o abraçava, beijava para que sentisse meu amor e o desejo de que não morresse.
Durante muito tempo precisou tomar Gardenal prescrito pela pediatra, que o fazia dormir horas seguidas, até que mudamos de plano de saúde e ele passou a ser atendido pelo Doutor Gilson Peixoto, que substituiu o Gardenal por um antitérmico.
Pouco tempo depois, meu marido saiu para comprar jornal e o levou a passear de bicicleta. Sem o jornal voltaram rapidamente, pois Giovanni prendera um pé no raio da bicicleta. Mesmo depois que o ferimento sarou, ele continuou a mancar e a recusar alimento. Readquiriu a confiança para andar quando ganhou um par de botas marrons.
Muito pequeno e branquinho, os alunos da Escola de Datilografia o adoravam e chamavam carinhosamente de galo rubro. No Jardim Um do Instituto Cristo Rei, uma de suas colegas o apelidou de purê, seu prato preferido. Giovanni gostava de desenhar, por ser criativo destacou-se logo. Certo dia as professoras mostraram-me seus desenhos, especialmente o de um cowboy.
Em casa ele se unia com Alfredo, seu irmão mais novo para mexer nas ferramentas do pai. Ao planejar uma arte, nenhum obstáculo parecia intransponível. Antes de o Instituto Cristo Rei fechar as portas eu o transferi para o Colégio Imaculado, aonde não chegou a concluir a alfabetização. Quase diariamente passei a ouvir queixas de sua professora por ele gostar de falar “pelas orelhas” e “lambuzar” a folha de tarefa. Ouvia tudo com paciência e engolindo sapo para não responder à altura.
Pouco antes de retirá-lo do colégio, emprestei à professora um livro intitulado Faça Seu Filho Feliz, que me foi presenteado por meu marido quando engravidei a primeira vez. Minha intenção é que ela aprendesse a lidar com as diferenças e tivesse cuidado com as palavras na frente de crianças. Nunca mais o devolveu.
No Colégio Manuel Bandeira onde as irmãs já estudavam, Giovanni ganhou a companhia do primo Gustavo e passaram a andar sempre juntos.
Antes dos dez anos, ele resolveu fugir de casa. Botou isso na cabeça e saiu sem destino. Ao notar seu sumiço, saí a procurá-lo e não precisei ir muito longe. Quase esbarrei nele, apenas um toquinho de gente, de cócoras sob frondosa árvore existente na vila dos sargentos, do lado direito de nossa rua, observando os amigos brincar: – Mãe, a senhora vai aonde? – perguntou-me com naturalidade. – Vamos pra casa? – respondi, dei-lhe a mão para que levantasse e voltamos juntos.
Um dia ele me disse a coisa mais bonita e comovente que qualquer mãe gostaria de ouvir de um filho. Pediu olhando-me nos olhos: - Mãe, quando você morrer eu quero ir junto, viu?
Sempre foi um menino de muita sorte. Tinha um irmão e duas irmãs, quatro crianças pequenas. Toda vez que precisava ir à cidade resolver alguma coisa no comércio, os quatro participavam de um sorteio, Quem ganhasse me acompanharia. Giovanni ganhava sempre, provocando muitas queixas dos irmãos perdedores.
Meu filho nasceu sob o signo de Áries, é generoso e comunicativo, acredito que possui uma estrela brilhante a iluminar seu caminho. Quando lhe dei a primeira bicicleta, todos os amigos da rua aprenderam a andar sobre ela, e como resultado todos pediram uma bicicleta nova de presente aos pais, enquanto a sua mostrava os sinais de muitos trancos e das quedas infinitas.
Se fosse contar em detalhes todos os acidentes sofridos por Giovanni durante a infância, acabaria escrevendo um livro sobre ele. Recordarei o mais grave, que foi provocado pelas bicicletas novas, presentes meus para dois filhos, e causadoras de muitos remorsos depois.
Empolgados com as bicicletas novas, eles pedalaram até a estrada de Paulista, mal iluminada e de tráfego intenso onde foram de encontro a outras bicicletas, e Giovanni foi parar no hospital. Recebi um telefonema cauteloso de Reinaldo Vilarim, meu primo que morava na Rua São Francisco, próxima à estrada referida.
Apesar de ainda muito pequeno, Alfredo tomou a iniciativa de ir até a casa de Reinaldo buscar socorro. Assustado e sozinho testemunhou o irmão ser conduzido ao hospital lá existente.
Eles eram duas crianças num lugar completamente desconhecido. Quando cheguei, ouvi as providências tomadas e acompanhei meu marido que nos levou para casa. Mais uma vez Giovanni estava machucado gravemente; demorou quieto apenas o tempo suficiente para aliviar as dores da perna. Apesar de tantas recomendações antes que eu seguisse para o trabalho, mal ficava sozinho ele vestia uma calça jeans para ocultar o curativo e ganhava o mundo. Estava em plena adolescência, tinha pressa de viver a vida que o esperava na rua.
Cresceu criativo e querido pelos professores e colegas. Guardou um trauma por ter perdido o pastoril onde representaria o Velho a convite de Augusto, professor de arte. Embora soubesse que ele queria muito dançar o pastoril, não o deixei sair do castigo onde estava por não ter devolvido o troco da compra do pão.
Tornou-se um rapaz bonito de cachos longos e muitas namoradas. Cansou dos cabelos longos e raspou a cabeça, nem por isso deixou de atrair as garotas. Sempre acompanhado por seu primo Gustavo, ele se divertiu bastante, quebrou todas as regras de comportamento no Colégio Estadual de Olinda até que o transferi para o Colégio São Bento onde Alfredo estudava.
Não fosse o envolvimento e a gravidez de Andréa, sua namorada de Paulista, talvez meu filho tivesse realizado o seu projeto de estudar engenharia elétrica. A paternidade precoce o levou a um casamento também precoce que não durou. Atrapalhou todo seu futuro promissor, mas tudo está escrito nas estrelas bem antes de chegarmos aqui na terra. Giovanni ficou pouco tempo sozinho. Conheceu Heliane, com ela casou-se, e são felizes até hoje.