sábado, 24 de abril de 2010

O FILHO ETERNO, resumo

O FILHO ETERNO
Cristovão Tezza
Ed. Record


Neste livro, classificado como romance Cristovão Tezza expõe as dificuldades inúmeras e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down. O autor descreve, sem jamais cair no melodrama ou na pieguice, um acontecimento que o fez se sentir como se fosse um boi cabeceando inutilmente contra as paredes do corredor de um matadouro: o dia em que recebeu a notícia de que o primeiro filho, tão esperado, tinha Síndrome de Down. Mas, à medida que o filho cresce, o pai adquire maturidade para se tornar funcionário público e deslanchar sua carreira de escritor. Aproveita as questões que aparecem pelo caminho nestes 26 anos de seu filho Felipe para relembrar e reordenar sua própria vida: a experimentação da vida em comunidade quando adolescente, a vida como ilegal na Alemanha para ganhar a vida.

sábado, 17 de abril de 2010

PARTIDA

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Chora o vento na noite escura
Enquanto o amor vai embora
Calado fica o pássaro no ninho
Enquanto o coração chora


O céu transforma noite em dia
Silencia bem-te-vi e canário
Quando o amor vira ventania


Distante, entre o céu e o mar
Envergonhada brota lua cheia
Vê sem querer a lágrima brilhar
Apertada no peito a dor vagueia.


Conceição Pazzola
1/3/2009





NAVEGAR É PRECISO


Imagem google


Lá vai o barquinho de papel
Nas ondas do mar e do vento
Carrega o amor para longe
Do teu, do meu pensamento

Lá vai a moça apressada
Nas curvas do sentimento
Envolta no laço apertado
De amor jogado ao relento

Lá vai a jangada serena
Buscar a pesca encantada
Trazida pela brisa amena
Em breve estará em casa

Lá vai teu beijo atirado
Nas dobras dos dedos aflitos
Procurar os lábios molhados
Da menina vestida de chita.


Conceição Pazzola
Abril/2009


terça-feira, 6 de abril de 2010

GIOVANNI

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Meu filho Giovanni nasceu no dia nove de abril, apesar de o ginecologista ter garantido que nasceria provavelmente na primeira quinzena de junho. Antes de completar um ano, mudamo-nos para Olinda com a casa ainda em construção.
Por ser muito pequeno e franzino ele demorou a andar; engatinhava no meio dos trabalhadores da construção, mexia no cimento, nas ferramentas, brincava com pregos e tudo que aparecia pela frente. Nessa época eu tinha trinta anos, sentia-me em plena juventude e quase todas as manhãs saíamos para ir à praia, com a amiga e vizinha Dionéia e Nayara, respectivamente mãe e filha. Nayara estudava no mesmo colégio de minha filha Ines.
Apesar de prematuro Giovanni tomou banho de mar com três meses e adorou. Sorria e batia as pernas feliz da vida. Tudo ia muito bem até ele adoecer gravemente: diarréia, muita febre e completa falta de apetite, o diagnóstico foi ameba, giarda e mais duas espécies menos perigosas de verminoses.
Como ainda não completara um ano, os comprimidos contra ameba compostos por um veneno poderoso, tiveram de ser repartidos por quatro. Apesar do tratamento a febre persistia, assim como o hábito de levá-lo à praia. Certa manhã, quando assistíamos a um filme engraçado na TV, subitamente Giovanni começou a chorar e debater-se. Chorando também, corri a mergulhá-lo na banheira já pronta para o banho, e meu filho teve a primeira convulsão dentro d’água, ao mesmo tempo em que evacuava um líquido esverdeado. Meus gritos atraíram Silvinha e Cinda filhas de Dona Eunice, nossa vizinha, senhora super bondosa que nos cedia o telefone para comunicar-nos com o mundo.
Elas perceberam a gravidade da situação, levaram as meninas consigo deixando-me livre para correr ao pronto socorro conhecido pelo primeiro taxista que atendeu ao meu chamado. Enquanto Giovanni passava por meticuloso exame, liguei para minha irmã Vane, ela acudiu ao meu chamado. Pagou a caução exigida e levamos o menino de volta para casa.
Por toda noite troquei toalhas molhadas em torno de seu corpinho ardente, com ele na minha cama vez por outra o abraçava, beijava para que sentisse meu amor e o desejo de que não morresse.
Durante muito tempo precisou tomar Gardenal prescrito pela pediatra, que o fazia dormir horas seguidas, até que mudamos de plano de saúde e ele passou a ser atendido pelo Doutor Gilson Peixoto, que substituiu o Gardenal por um antitérmico.
Pouco tempo depois, meu marido saiu para comprar jornal e o levou a passear de bicicleta. Sem o jornal voltaram rapidamente, pois Giovanni prendera um pé no raio da bicicleta. Mesmo depois que o ferimento sarou, ele continuou a mancar e a recusar alimento. Readquiriu a confiança para andar quando ganhou um par de botas marrons.
Muito pequeno e branquinho, os alunos da Escola de Datilografia o adoravam e chamavam carinhosamente de galo rubro. No Jardim Um do Instituto Cristo Rei, uma de suas colegas o apelidou de purê, seu prato preferido. Giovanni gostava de desenhar, por ser criativo destacou-se logo. Certo dia as professoras mostraram-me seus desenhos, especialmente o de um cowboy.
Em casa ele se unia com Alfredo, seu irmão mais novo para mexer nas ferramentas do pai. Ao planejar uma arte, nenhum obstáculo parecia intransponível. Antes de o Instituto Cristo Rei fechar as portas eu o transferi para o Colégio Imaculado, aonde não chegou a concluir a alfabetização. Quase diariamente passei a ouvir queixas de sua professora por ele gostar de falar “pelas orelhas” e “lambuzar” a folha de tarefa. Ouvia tudo com paciência e engolindo sapo para não responder à altura.
Pouco antes de retirá-lo do colégio, emprestei à professora um livro intitulado Faça Seu Filho Feliz, que me foi presenteado por meu marido quando engravidei a primeira vez. Minha intenção é que ela aprendesse a lidar com as diferenças e tivesse cuidado com as palavras na frente de crianças. Nunca mais o devolveu.
No Colégio Manuel Bandeira onde as irmãs já estudavam, Giovanni ganhou a companhia do primo Gustavo e passaram a andar sempre juntos.
Antes dos dez anos, ele resolveu fugir de casa. Botou isso na cabeça e saiu sem destino. Ao notar seu sumiço, saí a procurá-lo e não precisei ir muito longe. Quase esbarrei nele, apenas um toquinho de gente, de cócoras sob frondosa árvore existente na vila dos sargentos, do lado direito de nossa rua, observando os amigos brincar: – Mãe, a senhora vai aonde? – perguntou-me com naturalidade. – Vamos pra casa? – respondi, dei-lhe a mão para que levantasse e voltamos juntos.
Um dia ele me disse a coisa mais bonita e comovente que qualquer mãe gostaria de ouvir de um filho. Pediu olhando-me nos olhos: - Mãe, quando você morrer eu quero ir junto, viu?
Sempre foi um menino de muita sorte. Tinha um irmão e duas irmãs, quatro crianças pequenas. Toda vez que precisava ir à cidade resolver alguma coisa no comércio, os quatro participavam de um sorteio, Quem ganhasse me acompanharia. Giovanni ganhava sempre, provocando muitas queixas dos irmãos perdedores.
Meu filho nasceu sob o signo de Áries, é generoso e comunicativo, acredito que possui uma estrela brilhante a iluminar seu caminho. Quando lhe dei a primeira bicicleta, todos os amigos da rua aprenderam a andar sobre ela, e como resultado todos pediram uma bicicleta nova de presente aos pais, enquanto a sua mostrava os sinais de muitos trancos e das quedas infinitas.
Se fosse contar em detalhes todos os acidentes sofridos por Giovanni durante a infância, acabaria escrevendo um livro sobre ele. Recordarei o mais grave, que foi provocado pelas bicicletas novas, presentes meus para dois filhos, e causadoras de muitos remorsos depois.
Empolgados com as bicicletas novas, eles pedalaram até a estrada de Paulista, mal iluminada e de tráfego intenso onde foram de encontro a outras bicicletas, e Giovanni foi parar no hospital. Recebi um telefonema cauteloso de Reinaldo Vilarim, meu primo que morava na Rua São Francisco, próxima à estrada referida.
Apesar de ainda muito pequeno, Alfredo tomou a iniciativa de ir até a casa de Reinaldo buscar socorro. Assustado e sozinho testemunhou o irmão ser conduzido ao hospital lá existente.
Eles eram duas crianças num lugar completamente desconhecido. Quando cheguei, ouvi as providências tomadas e acompanhei meu marido que nos levou para casa. Mais uma vez Giovanni estava machucado gravemente; demorou quieto apenas o tempo suficiente para aliviar as dores da perna. Apesar de tantas recomendações antes que eu seguisse para o trabalho, mal ficava sozinho ele vestia uma calça jeans para ocultar o curativo e ganhava o mundo. Estava em plena adolescência, tinha pressa de viver a vida que o esperava na rua.
Cresceu criativo e querido pelos professores e colegas. Guardou um trauma por ter perdido o pastoril onde representaria o Velho a convite de Augusto, professor de arte. Embora soubesse que ele queria muito dançar o pastoril, não o deixei sair do castigo onde estava por não ter devolvido o troco da compra do pão.
Tornou-se um rapaz bonito de cachos longos e muitas namoradas. Cansou dos cabelos longos e raspou a cabeça, nem por isso deixou de atrair as garotas. Sempre acompanhado por seu primo Gustavo, ele se divertiu bastante, quebrou todas as regras de comportamento no Colégio Estadual de Olinda até que o transferi para o Colégio São Bento onde Alfredo estudava.
Não fosse o envolvimento e a gravidez de Andréa, sua namorada de Paulista, talvez meu filho tivesse realizado o seu projeto de estudar engenharia elétrica. A paternidade precoce o levou a um casamento também precoce que não durou. Atrapalhou todo seu futuro promissor, mas tudo está escrito nas estrelas bem antes de chegarmos aqui na terra. Giovanni ficou pouco tempo sozinho. Conheceu Heliane, com ela casou-se, e são felizes até hoje.

domingo, 4 de abril de 2010

ILHA DE ITAMARACÁ

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As lembranças de menina parecem sonhos bonitos, e como em sonho viajo no tempo com minha família, numa manhã domingueira de verão para a Ilha de Itamaracá.
Os passeios aconteciam em ônibus ou caminhões de aluguel. Mal o dia clareava, estávamos na estrada, muito pior do que atualmente, era preciso ter coragem e disposição para enfrentá-la.
Depois de Paratibe e de Abreu e Lima o sol esquentava, e devagarinho o sono ameaçava fechar-me os olhos. Um cochilo e a cabeça, depois o corpo inteiro pendia sobre o vizinho. Uma sacudidela brusca devolvia-me à realidade.
Antes de chegar à ponte e depois dela, os ilheus de pés descalços e chapéus de palha ofereciam frutas e verduras, colhidas em seus modestos roçados. À beira da estrada tudo é vendido: caju, jaca, mandioca, fruta-pão, banana, coentro, tomate, castanha, feijão verde, coco, cana-de-açúcar em rolete, etc.
A primeira parada foi na Penitenciária Agrícola, atualmente de São João. Visitamos a exposição de trabalhos artesanais dos presidiários em casca de coco, marisco, espinha de peixe e osso polido. Estojos, cestas, pentes e muitos outros objetos bonitos.
Itamaracá tornou-se famosa pela Coroa do Avião, que “é um dos lugares mais bonitos do litoral norte pernambucano: tem águas calmas e piscinas naturais e fica numa área rica em manguezais. A Coroa é habitat natural de aves migratórias e por conta disso, lá existe uma Estação de Estudos Sobre Aves Migratórias e Recursos Ambientais da Universidade Federal de Pernambuco. Essa Ilhota de areia branca tem águas mornas e claras e está situada em frente ao Forte Orange, de onde saem frequentemente os barcos para lá”.
No Forte Orange construído pelos holandeses, as vendedoras de passa de caju oferecem aos visitantes uma colherada para experimentar.
Passamos por Vila Velha e Pilar. Atraídos pelas sombras benfazejas dos cajueiros, acampamos em Jaguaribe. Cada um carregou sua sacola ou bolsa a tiracolo com os pertences. Mamãe, que raramente nos acompanhava, embora nada dissesse torceu o nariz diante da tenda listrada que meus irmãos montaram na praia.
Chamou meu pai para um passeio de reconhecimento. Cada um prendeu nas suas as pequenas mãos de filhos menores e lá fomos nós, a pular alegremente no quebra-mar. Criada em cidade de interior, mamãe costumava perguntar o primeiro nome das pessoas antes de pedir qualquer informação.
Assim foi que não precisamos tostar o dia inteiro ao sol inclemente. Graças ao modo de viver de Dona Sebastiana, passamos o domingo na casa de um pescador e de sua generosa mulher. Almoçamos uma gostosa moqueca de peixe com farinha, arroz, feijão de corda e muitas rodelas de abacaxi plantado no quintal.
Entre um mergulho e outro nas águas mornas e claras de Itamaracá, o dia passou depressa. De um lado a outro na beira mar meu pai nos vigiava, enquanto sua mulher continuava na cozinha da nova amiga.
Os pulos e mergulhos afoitos sobre um pneu velho fizeram papai sacudir a roupa na areia e mostrar que estava pronto para tudo. Em calção de banho abriu largas braçadas, aproximou-se, durou pouco o prazer de sua presença. Mergulhou e sumiu sob as águas.
Quase roucos de tanto gritar entreolhamo-nos em aflição, sem querer acreditar nos maus presságios que se chocavam como foguetes no espaço de nossas mentes.
Alívio sem nome tomou conta de nós ao ver suas pernas surgirem à flor d’água.
Depois de plantar bananeira, ele se aproximou sorridente para nos oferecer os ombros de onde passamos a praticar loucas cambalhotas.



Conceição Pazzola
Olinda, 18/8/2008.

sábado, 3 de abril de 2010

O PELADINHO DE ASAS

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“... O que sei é
que a probabilidade de uma ave,
neste instante,
cair sobre vossa cabeça,
devido a direção dos ventos
e a época do ano,
é de 0,052 por cento...”


M. da Graça Ferraz - Poema 2474
Gracias a la vida



E não é que esse percentual tão insignificante se tornou realidade? Caiu. Tão pequenino! Só uma coisinha cor-de-rosa sem penugem alguma, chegou pelas mãos de Ravenna (encontrada na rua) e está onde ela carinhosamente aninhou-a. Uma caixa vazia de sapatos, lâmpada acesa, flocos de algodão e toalha dobradinha (da mãe) para aquecê-lo. Acredita que sobreviverá. Chegou a hora de sair para o trabalho. Quem cuidaria do projetinho de passarinho?

Ela sabe a Voinha que tem. Na ponta dos pés dei uma espiada. A coisinha pelada e cor-de-rosa estava mais viva do que nunca, de bico escancarado, igual aos filhotes nos ninhos à espera da mãe passarinho trazer comida. Nenhum som e um minúsculo olho aberto. Como ser substituta de mãe passarinho? Nada de entrar em pânico.

Experimentei dar minúsculos farelos de pão. Engasgou-se, virgem mãe, que faço? Busquei um potinho d'água, engoliu com grande dificuldade, aquietou-se. À tarde a coisinha cor-de-rosa já emitia um piado fraquinho, fraquinho. Força de vontade para sobreviver! Hora de comemorar? Ainda não.Não é que estou ficando expert em mãe-passarinho? Vou lá de vez em quando, está de bico aberto? Alguns grãozinhos de fubá e água. A coisinha cor-de-rosa cansa depressa e dorme. Tomara que resista pelo menos até de noite!
No dia seguinte:
O peladinho de asas aprendeu a piar e não somente sobreviveu. Ganhou status de novidade, recebeu visitas. Quando voltei das compras, encontrei-o piando como louco em sua improvisada casa (caixa vazia de sapatos) no meu quarto (!) enquanto Ravenna lambuzava minha cama de acetona, água e esmalte, totalmente absorta a cuidar de unhas. Fazer o quê? Ela me disse que o projeto de passarinho piara a noite inteira. Desconfiei que fosse sobrar pra mim. A tia e o amigo haviam opinado sobre a espécie de seu pequeno e indefeso amigo.

Os dois examinaram todos os ângulos e foram taxativos: Filhote de urubu: olha o bico! Heliane contemporizou: Pode ser que algum pato selvagem passou voando por acidente e perdeu a cria... Isso movimentou a improvisada manicure direto para o computador. Corri ao ouvir o grito: na tela vi três peladinhos de asas idênticos ao nosso hóspede mirim, lindinhos, segundo Ravenna.

Para não contrariá-la, fui aos afazeres refletindo se patos selvagens sobrevoam minha cidade soltando as crias sem para-quedas. Esse mundo está mesmo perdido. Cá entre nós e o mundo todo, acredito que o piador mirim é filhote de pardal. Caso sobreviva, descobriremos! Stop para atender aos aflitos piados...
No outro dia:
Hoje o pequenino Mister M está feliz lá no céu dos passarinhos, certamente ganhou penas e força nas asas para voar e voz para cantar bastante.
Conceição Pazzola
01/10/2008