segunda-feira, 15 de junho de 2009

AGRURAS JUNINAS


Imagem google, Festa de S.João no Acre




As fogueiras ainda enchiam a casa de fumaça quando a festa acabou. Papai e mamãe haviam sumido de nossa vista desde cedo, já deviam estar no segundo sono. Tivemos de nos arranjar sem eles.
Os primos acomodaram-se de qualquer jeito lá no quartinho dos beliches e as primas ficaram por nossa conta. Depois de muita confabulação para resolver quem dormiria espremida no canto da parede ou se arriscaria a levar empurrão e chutes até cair no chão frio e nele amanhecer, tudo resolvido, fechamos a porta do quarto. Ainda ouvimos por um bom tempo as risadas e os cochichos até todo mundo pegar no sono. Não por muito tempo.
Acordei com as tripas dando voltas e mais voltas, suando frio com a lembrança persistente da canjica, do milho assado e cozido, da pamonha, do pé de moleque, das doses de quentão, do beiju, do bolo de bacia enrolado na folha de bananeira que provocavam ânsias e viravam pesadelo. Abri os olhos, tornei a fechá-los.
Após frustradas tentativas para dormir de novo calcei os chinelos. No escuro mesmo ganhei a sala onde encontrei todas as irmãs e as primas num total de uma dúzia de mulheres descabeladas, enfiadas em longas camisolas de cores variadas a contorcer-se amontoadas diante da porta que levava ao quintal. Ninguém tivera coragem de abri-la.
Silenciaram ao ver-me chegar e entregaram-me a chave que nenhuma delas queria usar para enfrentar a escuridão, os perigos ocultos no silêncio da noite cortado apenas pelo cricrilar inocente dos grilos até chegar ao banheiro. Nessa hora, apesar de nossas diferenças Aninha me socorreu.
Viu a foice de papai esquecida atrás da porta, apertou-a contra o peito moreno, em seguida de olhos reluzentes arrancou a chave de minha trêmula mão, torceu-a com tanta coragem que uma lufada de ventania varreu de vez nosso pavor.
Confiantes naquela foice e na coragem de Aninha ficamos em fila e esperamos com toda paciência. Não recordo mais quanto tempo ela demorou no banheiro enquanto mudávamos de cores dando pulinhos e mais pulinhos segurando a barriga, resignadas e agradecidas.

Conceição Pazzola
Olinda, 15/6/2009

5 comentários:

Clóvis Campêlo disse...

Para que serva a memória dos poetas? Para recriar o mundo? Para fazer-nos recordar revivendo? Para nos iludir a solidão? Ou para solidificar a irracionalidade da vida? Viver é tão bom assim?

ravenna disse...

dor de barriga

kkkkkkkkkkkkkkk
adorei voinha

Clóvis Campêlo disse...

Que venham logo os ventos de agosto!

LIRIS LETIERES disse...

saudades...

Non je ne regrette rien: Ediney Santana disse...

adorei teu nome e tua literatura