Chegou o grande dia. Escapuliu da vigilância cerrada de colegas e diretora, mal se encontrou sozinha abriu a cortina. Tremeu da cabeça aos pés: a cidade inteira parecia ter vindo à escola, não havia nenhum lugar vazio.
Impaciente, a platéia começou a bater os pés, a reclamar pela demora. Com muito esforço conseguiu controlar-se e foi buscar as “artistas” na sala contígua. Estavam em pé de guerra de tão excitadas. Parecia um pandemônio, deu um trabalhão acalmá-las. Aquela criança tímida e arredia que ameaçava fugir na hora agá precisava de todo o seu desvelo... Teve uma idéia. Tirou o batom da bolsa, puxou-a para longe das outras, mostrou-lhe o espelho antes de pintar seus lábios. A menina sorriu de tanta felicidade. Ainda não havia pregado o laçarote de papel crepom vermelho na cabeça, fez tudo em ritmo acelerado, em seguida a empurrou para onde as demais já estavam perfiladas atrás da cortina. Não havia tempo para mais nada. Deu o sinal, a cortina subiu quando a música começou a tocar. Sem perder nenhum movimento, não conseguia parar de cantar, a voz trêmula pelo nervosismo: Borboleta pequenina, venha cá nesse portal, venha ver quanta menina, hoje é noite de Natal...
Pronto, conseguira.
Os murmúrios de aprovação cada vez maiores confirmavam as batidas aceleradas dentro do peito: um sucesso!
Súbito, o sangue gelou em suas veias. Impossível não ouvir os cochichos, os risos vindos da platéia.
Cresceram de intensidade. Um frio percorreu-lhe a espinha, gesticulou frenética atrás da cortina sem que fosse obedecida.
Aquilo não podia estar acontecendo.
Desolação? Sem ligar para as gargalhadas insuportáveis, invadiu o palco, puxou-a do meio das outras, um grande ponto de interrogação parecia pular de suas pupilas assustadas: Por que?
Longe de olhares e risos obrigou-a a virar-se, a boca cheia de alfinetes começou a pregar com dedos nervosos a saia de papel crepom vermelho. Sem que percebesse, um volteio brusco e pronto. Abrira-se, pusera à mostra a calcinha de cetim e o pompom branco para deleite dos que assistiam.
Caiu no choro e nada a fez voltar para terminar a dança da borboleta.
Conceição Pazzola
Agosto/2007.
Um comentário:
Bacana, Ceiça.
Me lembrei de uma crônica de Luiz F. Veríssimo, que fala sobre uma professora enlouquecia com uma peça.
Um beijo,
Martha
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