terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

MANHÃ DE SOL DA TERÇA FEIRA

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Os gostos, os costumes, o modo de ser de cada um, nada disso é observado quando duas pessoas se apaixonam quase à primeira vista, como nós dois, que nos casamos oito meses depois de conhecer-nos.Por exemplo, o Carnaval que para mim era um fato natural, cíclico, e obrigatoriamente tínha de ser aproveitado enquanto durasse, para ele, que em diversas ocasiões me contara sobre o Carnaval de Veneza, o mais importante da Itália nada mais é senão um belo desfile de máscaras, diferente do nosso Carnaval com músicas próprias e muita gente pulando o frevo ou sambando nas ruas. Enquanto moramos no Rio quase não percebíamos essa diferença porque éramos um casal recente, muito feliz em qualquer época, mesmo durante o Carnaval quando nossas duas meninas choravam ao ver um mascarado ou ao ouvir a barulheira natural das ruas durante a festa momesca. Mas o tempo passou.

Já no Recife, o Carnaval é o que me habituei a ver e a curtir desde menina enquanto para ele era apenas uma festa libertina como a do Rio de Janeiro, onde homens se divertem admirando mulheres semi despidas e quando suas próprias mulheres descuidam, eles correm atrás.
Nos anos setenta, enquanto não aparecia coisa melhor para fazer, depois de perder o emprego meu marido trabalhou como taxista. Com maior afluxo de turistas, os dias de Carnaval representam ótima chance para trabalhar, assim ele não parava em casa. Ouvir e ver os outros se divertirem enquanto estávamos confinados era uma tortura chinesa.
Felizmente para nós, naquela época acontecia uma manhã de sol toda terça-feira de Carnaval, na casa de meu cunhado Wilson e Vane, minha irmã.
Mais uma ocasião para a família passar o dia reunida, pulando e cantando frevo no exíguo espaço da garagem da bela casa de Casa Caiada, enquanto no quiosque do quintal cercado por árvores frutíferas que representavam atração para as crianças, os mais velhos se reuniam para beber e saborear tira gostos, e quanto mais comiam e bebiam, mais apimentadas se tornavam as piadas e maiores as gargalhadas, testemunhadas por papai e mamãe debruçados no parapeito que levava à escadinha da quitinete onde eles moravam. Admiravam suas crias de olhares brilhantes e sorrisos nos lábios.
Por volta de duas horas da tarde, a manhã de sol acabava e todo mundo entrava na fila da dobradinha caprichosamente feita pela dona da casa, que matava a fome dos foliões e ainda havia sobremesas deliciosas à nossa espera, como a torta coberta de creme de leite e figo e um bolo de chocolate. A criançada beliscava a dobradinha pensando na sobremesa, servida com refrigerante.

No final do dia, meu taxista particular chegava para recolher o que sobrara de nós depois de tanta folia.



Conceição Pazzola
Olinda, 16/2/2010

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O GALO TÁ NA RUA SAUDANDO O CARNAVAL

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No sábado que antecede o Carnaval, todos os anos o Galo da Madrugada vai pra rua e uma multidão de foliões segue atrás, cantando e pulando desde a saída do Galo, que não mais acontece de madrugada e sim, nas primeiras horas da manhã e só termina ao entardecer. Desde a hora que o considerado Maior Bloco de Carnaval do Mundo vai pra rua, as pessoas vão chegando ao centro do Recife e se juntando às que já estão no meio da folia.
Todo ano se repete a mesma animação, o Galo da Madrugada ganhou fama e muita gente vem conhecê-lo, de outros Estados e até do exterior.
Cada sábado de Zé Pereira, vendo o Galo da Madrugada passar pelas principais ruas do Recife, relembro os desfiles do Corso dos Carnavais de antigamente, que também acontecia por essas mesmas ruas, prestigiado por gente de todos os cantos do Estado e de todas camadas sociais. O Corso não era tão grandioso quanto o Galo da Madrugada, com trios elétricos, cantores famosos e camarotes de autoridades, mas, consistia também em um desfile de carros, caminhonetes e caminhões devidamente enfeitados, ocupados pelos foliões, que nos primeiros Carnavais jogavam confetes, serpentinas e água de cheiro. Com o surgimento do lança perfume, sumiu a água de cheiro, em seu lugar os foliões transportavam tonéis cheios d’água que, na verdade, no calorão da folia e do para e anda da carreata festiva que era o Corso, era muito bem vindo quando atirados nos vizinhos de folia que seguiam nos outros veículos.
Não se falava ainda em trios elétricos, as pessoas cantavam as letras do frevo e das marchinhas carnavalescas acompanhadas por trios ou quartetos de músicos que animavam o desfile. Pulávamos sobre os caminhões, caminhonetes, jipes aerowilis e carros de capota arreada, circulando pelas principais ruas do Recife, aproveitando a chance de paquerar os passageiros de outros veículos que passavam por nós, recebendo e jogando lança perfume.
No Corso não existia a organização do Galo da Madrugada com patrocinadores importantes, mas, também era bastante divertido.
Só me resta lembrar Antonio Maria: “Ô, ô, saudade, saudade tão grande, saudade que sinto dos clubes das pás e vassouras, passistas fazendo tesoura nas ruas repletas de lá”...




Conceição Pazzola
Olinda, 13/2/2010.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

VELHOS CARNAVAIS

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Embora vivesse numa cidade de interior, desde muito cedo aprendi o que é Carnaval a pular atrás de bloco, a jogar água e talco em cima dos passantes desavisados, e fugir quando ninguém estava olhando, para correr até o clube da cidade onde os irmãos mais velhos, mascarados e fantasiados, divertiam-se. Pendurada à primeira janela à vista seguia-os com olhar de adoração, invejando-os, detestando ser ainda pequena, de menor idade. A glória máxima eram as matinês onde aproveitava para sacudir confete, serpentina e água nas outras meninas, e borrifar os meninos de lança perfume. Embora criança, penso que poderiam classificar-me de mala sem alça. Tanto incomodei que os irmãos passaram a levar-me no meio deles para os bailes onde só podiam entrar adultos. Suspendiam-me pelas axilas e o porteiro fingia que não percebia. Assim eles podiam divertir-se sem o aborrecimento de ter de levar-me de volta para casa. Sentada num banco, o famoso “quem me quer” ocupado por moças solteiras sem namorado, de olhares lânguidos para os rapazes enfileirados no outro extremo do salão, o que me fez entender logo cedo que os homens podem ser medrosos na abordagem mais do que as mulheres, porque enquanto eles continuavam lá, rindo amarelo e olhando de relance, sem ânimo de arriscar-se para convidar a menina mais bonita e mais oferecida, ela perdia a paciência, puxava outra menina e juntas entravam na folia. Faziam questão de passar junto ao punhado de medrosos e jogar lança perfume, de preferência nos olhos. Ah, minha linda blusa branca de cigana, nunca esqueci a nódoa vermelha atirada por uma bisnaga de um desses molengas...
Acontece que o juiz de paz em pessoa quando as filhas resolviam brincar no clube, percebia o truque, perseguia-me pelo salão e mandava que os irmãos me levassem de volta à casa. Esse juiz de paz era meu pesadelo; parecia multiplicar-se, onde eu estivesse, lá estava, com suas lentes de fundo de garrafa ele enxergava duplamente. Quanta humilhação!
Certa vez, papai foi convocado a acompanhar-nos ao clube. Cansados de interromper a brincadeira por minha causa, os irmãos bateram o pé. Naquela noite, se ele não fosse ninguém saia de casa, iam todos dormir cedo. No íntimo, eu sabia que era somente conversa fiada, quando me vissem dormir eles sairiam muito fagueiros.
Ao chegarmos ao portão do clube, investido na sua autoridade paterna, Seu Alfredo fez a bobagem de perguntar se faltava alguma coisa. Enquanto isso os irmãos aproveitaram para escapulir de fininho, deixando nós dois do lado de fora.
Olhei em torno e vi a Praça de Paulista como nunca vira antes. Quase não havia espaço entre as bancas de lança perfume, confete, serpentina, máscaras, chapéus coloridos, talco, bisnagas de água, pandeiros, reco-recos, manés gostosos... Pedi ao meu pai para comprar um lança perfume, não sobrara nenhum para mim.
Foi a deixa que ele precisava. Circulamos várias vezes aquela praça, esgueirando-nos no meio das bancas de bugigangas. Em todas, ele perguntava se vendia lança perfume e ouvia sempre a mesma resposta negativa. Quando o tempo passou, desconfiei que papai piscasse para o vendedor, será?
Não me lembro como cheguei em casa; creio que papai carregou-me no colo e cuidadosamente ajeitou-me no travesseiro. Pela primeira vez os irmãos puderam esbaldar-se sem problemas.

Conceição Pazzola
05/2/2010