Acabara de anoitecer, Aninha olhou mais uma vez pela janela, o vulto continuava sob a luz bruxuleante do poste apesar da chuva fininha que caía intermitente desde o começo da tarde e parecia disposto a não arredar o pé.
Condoída, apesar de conhecer muito bem o temperamento de sua irmã que continuava a se movimentar pela casa como se nada houvesse acontecido, arriscou:
- Tens certeza do que estás fazendo? O coitado continua lá, tomara que não fique resfriado.
A resposta veio em tom seco:
- Deixa que espere. E vai cuidar de tua vida.
De certa forma sentia-se responsável, Tiago entrara na vida de Estela por sua causa, ela os apresentara. Alguma razão haveria para tamanha frieza, ainda ontem os dois arrulhavam como pombinhos no sofá da sala. Tiago não era um homem de se jogar fora, apesar de sua pouca instrução era bonito e muito esforçado.
Tentou distrair-se, para piorar as coisas a chuva engrossara. Quando viu a irmã entrar no quarto para dormir retirou o guarda-chuva do móvel antigo, desses que não existem mais atrás das portas de entrada das casas, disposta a socorrer o pobre rapaz. Na rua quase perdeu o equilíbrio com o impacto da ventania, lutou para o guarda-chuva não virar do avesso, praguejou consigo mesma, por que não fora cuidar de sua vida como lhe fora sugerido? Precisava voltar o quanto antes para o aconchego morno de onde nunca deveria ter saído e gritou a plenos pulmões:
- O que você pensa que está fazendo, seu bobalhão? Trate de correr para cá ou vá embora antes que me arrependa desse papel ridículo de boa samaritana...
Levantou o guarda-chuva para enxergar melhor, sob o poste não havia mais ninguém; somente o eco de sua voz ressoou na noite chuvosa.
Para desespero de Estela, entre um espirro e outro Aninha não parou de repetir até o sono silenciá-la:
- Ah, Estela, você perdeu mais um partidão.
Conceição Pazzola
Março/2008.