segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

SEGUNDA-FEIRA


Foto de Passarinho




Amanheci nostálgica, o espírito indômito teima em vagar nos estreitos, mas tão doces caminhos das lembranças. Vem uma vontade louca de sentir de novo a segurança de teu sorriso, de ver o brilho eterno dentro de teus olhos a me garantir quanto imenso era o amor. Juntos enfrentamos o correr dos anos. Envelheci e nem notaste. Atravessei sete décadas, os teus olhos me viam como a mocinha desconfiada de cabelos presos, desde o primeiro olhar me fizeste crer de novo que poderia recomeçar. Desde que fosse contigo, arrumei as idéias para reaprender a lição do companheirismo. Tu me ensinaste a olhar a humanidade como a vias.

Fiquei tão mal acostumada. Sem ti parece-me roubar o que não me pertence, o tempo, cada hora, cada minuto, cada dia. O que faço com eles, se não estás comigo? Antes podia sair e voltar com a certeza de te encontrar à minha espera. Hoje, não tenho mais essa certeza. Embora saiba que não estás muito longe.

Dá vontade de mexer no relógio do tempo, quanta pretensão, meia hora bastava. Seria o tempo suficiente; guardaria bem depressa a tua ternura bem guardadinha para usar nas horas iguais a essa.

Tenho medo desse mundo tão grande e cheio dessas coisas difíceis demais para resolver sem o teu apoio. Relanceio a vista por essa rua ensolarada, tenho nossos filhos a cuidarem de mim, eles parecem tanto contigo, sabias?

Vejo as pessoas entrarem e saírem diante dessa praça onde fui criança feliz. É a Praça do Jacaré, elas passam sem enxergar a luz do dia, carregam pastas e bolsas pretas, usam paletós e gravatas, todas de preto. São os juízes chegando para julgar todo mundo.

Ignoram a brisa suave, o cheiro de mar, o céu azul, o sol, isso tudo é tão banal diante das causas e das cédulas cobiçadas. Têm pressa. Que pena, eles não vêm as crianças gritarem na praça ao cair da noite, a correr em torno do tanque. As luzes começam a acender. Prestem atenção, no tanque existe jacaré, afirmam as tias que nos acompanham, é um bicho muito brabo, cheio de dentes afiados, se inventarem de mexer na água vai acordar, pular na areia, vai devorar em questão de segundos cada um de nós a começar do mais teimoso. Qualquer um ficaria aterrorizado, você não?

Criança é um bicho estranho, adora o perigo. Elas entretinham-se nas novidades principalmente sobre as que haviam ficado em casa. Sem saber haviam acabado com a graça de nossas brincadeiras. Olhares brilhantes de excitação cravados no tanque apostávamos quem se arriscaria primeiro.

Os cocorotes encerravam mais cedo o passeio...

Não há mais nada. Nem os escorregos, nem jacarés. Tudo mudou. Uma cerca amarela protege a praça dos vândalos e dos foliões, porque o Carnaval já começou em Olinda...

Conceição Pazzola

Olinda, 21/1/2008


5 comentários:

Muadiê Maria disse...

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Drummond

Muadiê Maria disse...

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Drummond

José Calvino disse...

Escritoramiga Conceição,
Me permita:
Que o deserto da solidão,perceba o cheiro de mar. Numa praia livre, de um céu azul-mar.
A sua brisa suave, vento leve e gostoso, pelos gritos na praça... crianças: Cadê o jacaré?
No seu ir e vir, quando caminhares, veja as crianças à gritarem, naquela praça próxima à praia.
E os homens da lei, com pressa para julgar, como que por engano, naquele forum de Olinda.
Com os pés em Olinda,
o coração em Recife, janeiro 2008.
José Calvino

Sílvia Câmara disse...

Ceiça, querida.
Pungente!
Fui lá nas origens e busquei o Luciano Maia:
" Foi quando a sua ausência me alcançou
um vento errante, qual boêmio louco,
cantou canções doídas, maltratou
o silêncio da rua. Ouvi um rouco..."
Um beijo.
Uma das nossas melhores, senão a melhor faculdade, é a MEMÓRIA.
Ainda bem que temos do que lembrar.
Outro beijo.

efvilha disse...

Olá.

Hoje, apenas chapinhei na superfície.
Aqui há densidade, e para se mergulhar nas densidades, é preciso dar tempo ao mergulho. Por isso, aqui voltarei.

O meu abraço.